
A deputada estadual Dani Portela (PSOL) realizou nesta terça-feira (19) na Alepe uma Audiência Pública para debater as medidas de prevenção e combate à tortura nas unidades do sistema prisional de Pernambuco. A iniciativa foi uma ação conjunta da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos em conjunto com o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). No evento, foi apresentado um relatório como produto das inspeções realizadas pelo Mecanismo e a CCDHPP durante o ano de 2024.
“Em lugares que as pessoas deveriam sair diferentes de como entraram, elas vivem com medo. Que ninguém possa passar por tratamento vexatório e degradante. Essa deve ser uma luta do conjunto da sociedade. A lei de execução penal precisa ser cumprida, as pessoas privadas de liberdade merecem ser tratadas com dignidade”, defendeu a deputada Dani Portela.
O objetivo da Audiência foi apresentar os achados e recomendações do Relatório do MNPCT evidenciando práticas de tortura e maus-tratos em instituições de privação de liberdade no estado e cobrar ações do Poder Público. Entre as principais reivindicações estão a restruturação adequada pelo Governo do Estado do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura com chamamento de peritos através de seleção pública e o fechamento do Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano. Também foram ouvidas sérias denúncias de vítimas, familiares e organizações da sociedade civil sobre medidas punitivas, condutas abusivas de policiais penais, equivalentes à tortura, dentre outras.
“Precisamos que não apenas o Mecanismo cobre, mas todo o conjunto da sociedade pressione as autoridades para que essas recomendações sejam observadas. Precisamos caminhar, há muito trabalho a ser feito, e questões que envolvem tortura não podem esperar”, cobrou Camila Antero, perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Com direito à fala na tribuna, os representantes do Governo não trouxeram as respostas solicitadas. Na ocasião, ainda foi concedido Voto de Aplauso à Wilma Melo, Coordenadora compartilhada do Comitê Estadual de Combate e Prevenção à Tortura e do Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (Sempri), pelas décadas de trabalho em defesa dos direitos humanos de pessoas privadas de liberdade no sistema prisional.
Principais achados das inspeções:
PRESÍDIO DE IGARASSU (PI)
Localidade: Município de Igarassu.
Capacidade oficial: 1.226 vagas.
População no momento da inspeção: 5.424 pessoas (ocupação de 442%).
Pessoas recém-chegadas dormem a céu aberto, expostas a chuva e sol. Ocorrência grave de “favelização”: celas transformadas em “barracos” vendidos por até R$100 mil, alugados por até R$ 500/mês pelos Chaveiros. Exploração econômica da privação de liberdade altamente consolidada. Local de graves violações.
Principais achados: Superlotação extrema (Ocupação de 442%: 5.424 pessoas para 1.226 vagas; alojamento em quadra descoberta, com aspecto de campo de refugiados); Pessoas dormindo a céu aberto. Os recém-chegados são obrigados a dormir em locais abertos, expostos a intempéries, como chuva; processo de “favelização” e exploração econômica ( celas são vendidas ou alugadas como “barracos” – R$ 5 mil a R$ 100 mil ou alugadas por R$ 500/mês -; presos pobres dormem em corredores – “na BR”-; itens básicos como água, colchões e higiene são vendidos ilegalmente a preços abusivos; a exploração é aplicada por chaveiros com anuência da gestão oficial).
COLÔNIA PENAL FEMININA DE BUÍQUE (CPFB)
Localização: Município de Buíque, a cerca de 300 km do Recife.
Inauguração: 2006.
Capacidade oficial: 107 vagas.
População no dia da inspeção (15/04/2024): 232 mulheres (216% de ocupação).
Perfil: 90 sentenciadas, 141 provisórias (61% aguardando julgamento). Infraestrutura originalmente projetada para homens, adaptada precariamente para mulheres. É utilizada como “castigo” via transferências administrativas sem ordem judicial. Destino frequente de mulheres transferidas de outras unidades superlotadas.
Principais achados: Castigos e regime disciplinar abusivo (castigos coletivos e celas de isolamento aplicados sem processo legal; mulheres trancadas sem direito a banho de sol; punições com suspensão de visitas e restrição à comunicação familiar; ameaça de castigo se mencionarem necessidades em videochamadas); Violações contra mulheres, população LGBTQI+ e pessoas com transtornos mentais (falta de itens essenciais para gestantes e mães; violência estrutural e negligência às necessidades de pessoas trans, tais como atendimento especializado, hormonização, etc; completa negligência às pessoas com transtornos mentais); Estrutura física degradante (celas escuras, sem ventilação, mofadas, infiltrações severas; falta de camas e colchões suficientes: muitas dormem no chão; banheiros precários e celas sem iluminação à noite); Alimentação precária e racionamento de água (comida insuficiente e nutricionalmente inadequada – carboidratos em excesso, poucas frutas/verduras; água racionada a apenas 2 horas por dia; presas bebem água da torneira sem filtragem); Abandono material e desigualdade (kit de higiene é raro e de péssima qualidade; vestuário, colchões e absorventes femininos são precários ou inexistentes; mulheres sem família são as mais vulneráveis, sem acesso a itens básicos); Saúde e atendimento insuficiente (ausência de profissionais permanentes; atendimento apenas parcial e precário; presas com transtornos mentais são colocadas em celas de isolamento, agravando seus quadros).
PENITENCIÁRIA JUIZ PLÁCIDO DE SOUZA (PJPS)
Localização: Caruaru, agreste pernambucano.
Inauguração: 1986.
Capacidade oficial: 744 vagas.
População no dia da inspeção (16/04/2024): 1.735 pessoas privadas de liberdade (245,69% de ocupação).
Presos provisórios: 1.178 (67,5%).
Número de pavilhões: 16.
Histórico de rebeliões, sendo a mais grave em 2016, com 6 mortes. Ausência de separação entre provisórios e sentenciados, violando a legislação.
Principais achados: Superlotação e abandono (lotação acima da capacidade; celas superlotadas, falta de ventilação e iluminação adequada; presos dormem no chão, sem colchões); Violência institucionalizada (uso sistemático de spray de pimenta, balas de borracha, cassetetes e gás lacrimogêneo contra os presos; relatos de espancamentos por agentes e por chaveiros; presos são jogados no chão e pisoteados durante revistas; Presença de “chaveiros” (poder disciplinar delegado a presos através de uma brecha no Art 131, inciso X da Lei nº 15.755, de 4 de abril de 2016, que institui o Código Penitenciário do Estado de Pernambuco; chaveiros aplicam castigos físicos, cobram taxas para uso de espaços, vendem produtos a preços exorbitantes e humilham os demais presos; a gestão “paralela” impõe controle por medo e violência com anuência da gestão oficial); Isolamento e celas disciplinares (Presos jogados em celas sem colchão, sem roupas, sem água potável e sem banho de sol; isolamentos impostos sem qualquer processo legal ou contraditório/ampla defesa); Saúde negligenciada (ausência de assistência médica contínua; medicamentos vencidos, falta de psicólogos e profissionais de saúde; presos com doenças crônicas ou mentais abandonados à própria sorte; Falta de acesso à justiça (muitos não têm defensores designados e desconhecem sua situação processual; denúncias de represálias após queixas à Defensoria ou a inspeções); Falta de assistência material (roupas e itens básicos são fornecidos apenas por familiares. Quem não tem visita fica sem acesso a itens essenciais).
HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ULYSSES PERNAMBUCANO (HUP)
Localização: Recife. Inauguração: 1º de janeiro de 1883.
Tombado como Patrimônio Histórico do Estado (1992).
Capacidade: 115 leitos (30 na emergência e o restante em seis enfermarias).
Tipo: única emergência psiquiátrica 24h do estado.
Data da inspeção: 18/04/2024.
Missão da inspeção: verificação do cumprimento da Lei nº 10.216/2001 (Reforma Psiquiátrica).
Principais achados: Contenções físicas ilegais (amarras aplicadas por vigilantes terceirizados, sem prescrição médica; contenções noturnas sem controle, ausência de documentação e protocolos); Infraestrutura insalubre (ambientes mofados, sem ventilação, com colchões rasgados e fétidos; falta de roupas, cobertas e vestuário para os pacientes); Higiene e alimentação precárias (roupas íntimas espalhadas pelo chão, banheiros sem privacidade; pacientes relataram sentir fome com frequência).
CENIP RECIFE (Centro de Internação Provisória – Masculino)
Localização: Bairro do Prado, Recife.
Capacidade: 70 vagas.
Ocupação no dia da inspeção (19/04/2024): 46 adolescentes.
Perfil: adolescentes do Recife, Região Metropolitana e interior (Limoeiro, Goiana, etc.). Tempo de internação: até 45 dias, conforme o ECA.
A unidade é apontada com recorrência em denúncias por violações de direitos, tais como: lógica prisional aplicada a adolescentes; revistas vexatórias e castigos ilegais; falta de projeto pedagógico; e saúde mental negligenciada (falta de psicólogos, psiquiatras e atendimento sistemático e ausência de protocolo de prevenção ao suicídio).
CASE SANTA LUZIA (Feminino – Socioeducativo)
Localidade: Recife. Inauguração: 24 de março de 2020.
Capacidade: 45 vagas.
Ocupação no dia da inspeção (19/04/2024): 19 adolescentes (18 em internação e 1 em internação provisória).
Perfil etário: 3 adolescentes de 14-15 anos; 13 de 16-18 anos; 3 entre 19-20 anos.
Adolescentes com filhos: 3 mães internadas com filhos pequenos. A unidade funciona junto ao CENIP feminino, divididas apenas por um muro.
Principais achados: Ambiência violadora e desumana (prática de contenção física e uso excessivo de punição; discurso de “proteção” encobre violações de direitos); Estrutura de modelo carcerário (unidades com celas de tranca, grades, câmeras e segurança armada); Falta de atenção a necessidades específicas (adolescentes grávidas ou com filhos sem atendimento diferenciado; desrespeito a identidade de gênero, raça e vulnerabilidades específicas); Educação falha e insuficiente (aulas intermitentes, sem projeto pedagógico integrado; atividades de lazer e arte são quase inexistentes).