Por CRISTOVAM BUARQUE*
Nada indica mais a pobreza da política brasileira do que a proposta de pacto para mudar algumas regras no sistema eleitoral, quando precisamos de união para uma mudança de rumo.
Anos atrás fui à Irlanda investigar porque um dos países mais atrasados em educação havia se transformado em exemplo mundial nesta área. Quis visitar a cidade de Kork, onde, nos anos 70, as lideranças políticas do país haviam decidido uma união para priorizar a educação nos anos seguintes. O embaixador do Brasil, Stelio Amarante, disse que não havia tempo porque as estradas eram ruins. Perguntei como um país tão bom em educação tinha suas estradas ruins. Ele respondeu: “Por isso mesmo! Gastaram o dinheiro em educação e não em estradas. Agora o país vai modernizá-las.”
Os líderes irlandeses olharam o futuro e fizeram as contas para definir prioridades. Nós estamos acostumados a olhar para o imediato e a não fazer as contas. Esta é uma das razões da insatisfação que leva às manifestações do povo, especialmente da juventude que está querendo reorientar os recursos para mudar o rumo do país.
Há seis anos o Brasil se dedica à construção de estádios para a Copa do Mundo de 2014, sem olhar a educação e o ano 2030. O Distrito Federal não tem times que atraiam torcedores, mas fez estádio para 72 mil espectadores ao custo de R$1,6 bilhão.
Uma conta mostra que apenas com os recursos deste estádio seria possível financiar a formação de pelo menos 6.800 engenheiros de excelência, desde a primeira série do ensino fundamental, em superescolas com padrão internacional até a formatura em cursos similares ao do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), um número maior do que a soma de todos os engenheiros formados no Instituto em seus 64 anos.
Se considerarmos que cada um desses profissionais vai contribuir para o desenvolvimento do país e gerar uma renda igual ao salário deles, algo em torno de R$ 20 mil por mês, ao longo de 35 anos de trabalho o montante resultaria em cerca de R$ 63,6 bilhões, valor equivalente a 40 estádios similares ao novo Mané Garrincha.
Se considerarmos o custo dos 12 estádios da Copa, deixaremos de formar pelo menos cerca de 30.400 cientistas e tecnólogos da mais alta qualidade. Estes profissionais serviriam de base para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, desde que os líderes brasileiros olhassem para o futuro e fizessem as contas.
Neste caso, talvez no futuro, alguém pergunte: “Como é possível que um país com a excelente qualidade na educação, uma das melhores do mundo, não tenha na sua capital um estádio para 72 mil pessoas?”. E alguém diria: “Por isso mesmo, preferiram formar 6.800 engenheiros de máxima qualidade. Agora vão fazer o estádio.”
O Brasil tem muitos problemas. Um dos mais graves é não fazer contas, nem olhar o futuro. Felizmente, o povo e especialmente os jovens começaram a fazer as contas e a irem às ruas usando a guerrilha cibernética para forçar uma unidade brasileira pela mudança de rumo nas nossas prioridades.
* Cristovam Buarque é professor da UnB e senador da República pelo PDT-DF. Texto publicado originalmente no jornal O Globo