Capital do Agreste se despede de Miranda

Pedro Augusto

Com a colaboração especial de Fernandino Neto

Um bom repórter que se preze tem como missão diária noticiar seguindo fielmente as verdades dos fatos, mesmo que para isso, ele tenha de colocar na ponta da caneta o lamento e a tristeza sentida. Esta semana, o jornalista que assina a esta matéria, teve de cumprir a árdua tarefa de oficializar, através das páginas do VANGUARDA, a morte de umas das suas principais referências na profissão e na vida devido à forma simples e alegre da qual ele fazia questão de levá-la. Aos 95 anos, morreu em decorrência de um infarto no miocárdio, na manhã da última quinta-feira (15), no Recife, Antonio Miranda, ou simplesmente “Miranda”.

De acordo com informações repassadas por familiares, o ex-jornalista do VANGUARDA e do Diario de Pernambuco estava prestes a fazer um passeio, quando teria passado mal. “Ele morava com a minha irmã em Caruaru e tinha se dirigido até o Recife para passar o fim de semana conosco. Estávamos já prontos para irmos até Enseada dos Golfinhos, no litoral, quando ele não se sentiu bem. No caminho para o hospital, acabou falecendo. Sua morte pegou todos nós de surpresa, haja vista que papai era uma pessoa ainda bastante ativa e lúcida”, disse uma das filhas de Miranda, Rosa Cavalcante.

O corpo de Antonio Miranda chegou à Capital do Agreste no final da tarde da quinta. Familiares, amigos, colegas de profissão e admiradores de seu trabalho fizeram questão de prestar as últimas homenagens ao jornalista. O ex-governador João Lyra Neto foi uma entre as centenas de pessoas que estiveram presentes no velório do Dom Bosco. “Antonio Miranda faz parte da história do jornalismo de Caruaru, não só pela sua experiência, mas acima de tudo, pela sua responsabilidade profissional. Trabalhou por décadas no VANGUARDA, sendo bastante respeitado em todos os segmentos devido ao seu compromisso com a verdade. Ele deixou a sua marca na história da crônica local!”.

A prefeita Raquel Lyra também lamentou bastante a morte do jornalista. “Foi com enorme pesar que recebi a notícia do falecimento do jornalista caruaruense Antonio Miranda. Ex-colaborador do jornal Vanguarda de Caruaru, Diario de Pernambuco, entre outros veículos de comunicação, seu Miranda nos enriqueceu com suas crônicas e poesias, além dos bastidores políticos e das ações dos movimentos sociais, econômicos e religiosos. A imprensa pernambucana perdeu um grande personagem, que ficará para sua história. Que Deus conforte seus familiares e amigos!”.

O ex-prefeito José Queiroz utilizou as redes sociais para externar a sua tristeza pela morte de Miranda. “O jornalista Antonio Miranda era gente! Figura humana excepcional. Foi meu secretário de Comunicação na minha primeira gestão, com muita sensibilidade e eficiência. Quem diria que meio século depois, a sobrinha de Miranda, a competente Carol Miranda, viria a ser também, a minha secretária de Comunicação… Minha homenagem ao estimado auxiliar que partiu para o outro lado da vida!”.

Além de políticos, historiadores como Walmiré Dimeron se despediram de Miranda com belas palavras. “Antonio Miranda foi e continuará sendo uma referência do jornalismo do interior pernambucano. Contribuiu significativamente com a imprensa local e como correspondente do Diário de Pernambuco divulgou Caruaru de forma exemplar ressaltando sempre as nossas potencialidades, nossos artistas, a gente simples da sua terra. Foi quase biógrafo do Mestre Vitalino, a quem acompanhou em viagens pelo Brasil. Fez da notícia a crônica, enriquecendo-a, com maestria ímpar. Que Caruaru lhe seja eternamente grata!”.

Casado com Francisca, desde 7 de dezembro de 1950, Antonio Miranda tinha ficado viúvo há poucos meses e era pai de três filhos: Antonio, Sueli e Rosa. Esposa de um dos sobrinhos de Miranda, Moema Duarte relembrou o jeito peculiar do jornalista. “Ele tinha uma alegria imensa de viver, levava a vida leve tanto é que era um brincalhão nato! Era um grande exemplo para toda a família como cidadão e profissional. Com o seu caderninho no bolso e a sua caneta pendurada na camisa, ele registrou um bom intervalo da história de Caruaru, sempre de uma forma autêntica e diferenciada”.

O corpo do jornalista foi sepultado na manhã da sexta-feira (16), no Cemitério Dom Bosco, no Bairro Maurício de Nassau.

Carreira

Eminente cronista, sua trajetória no universo da notícia começou quase por acaso. Quando criança, Miranda trabalhava com o pai, Miguel Miranda Cavalcante, num armazém na Rua dos Sapateiros. A mãe, Alexandrina Vasconcelos Cavalcante, o garoto nem chegou a conhecer direito. “Quando ela morreu, eu tinha um ano. Não me lembro da fisionomia dela”, explicou em reportagem publicada pelo VANGUARDA, em fevereiro de 2012. Os jornais e revistas que o pai comprava, aos domingos, eram ‘devorados’ por Miranda e inspiraram seu lado escritor. Fez curso de guarda livros, na antiga Academia de Comércio, graduou-se pela Faculdade de Direito de Caruaru e, em 1963, participou de Curso Intensivo de Jornalismo, a profissão que abraçou por toda vida e através da qual conquistou sua aposentadoria.

Antonio Miranda Cavalcante nasceu no dia 1º de abril de 1923. Caruaruense da Rua Preta, na adolescência chegou a acreditar que era poeta. Escreveu uma poesia e queria publicar no VANGUARDA. Com medo de não ser atendido pelo jornalista José Carlos Florêncio, fundador e então diretor do semanário, Miranda decidiu jogar o seu trabalho por debaixo da porta e correu para não ser visto. A espera quase o desanimou. Até então, nada havia sido publicado. Em seguida, veio a surpresa. Algumas semanas depois, o seu texto estampava a página literária do jornal.

Escrevendo poesias e crônicas para os jornais da época, a exemplo do católico A Defesa, Miranda viu as portas da imprensa se abrirem. Embora gostasse do estilo literário, sua preferência sempre foi pela literatura de não-ficção. Em parceria com Azael Leitão, Nelson Barbalho, Luiz Torres e outros “amantes das letras”, criou o Jornal do Agreste, considerado por ele como sendo o mais ‘peitudo’ que já existiu em Caruaru. O jornal acabou fechando devido à escassez de recursos.

Quando passou a colaborar com o VANGUARDA, sua coluna recebeu o nome de Domingo. Muitos anos depois, o espaço de comentários acabou recebendo o seu próprio nome. Por mais de seis décadas, a Coluna do Miranda foi uma das mais tradicionais do jornal e da imprensa pernambucana. Revivendo histórias de um passado distante para muitos ou nem tanto para outros, Antonio Miranda acabou se tornando um dos principais expoentes do jornalismo pernambucano, sendo uma das principais referências do meio até hoje.
Em decorrência de uma isquemia cerebral, Antonio Miranda foi obrigado a dar um ponto final a sua coluna no VANGUARDA, em fevereiro de 2012, aos 88 anos.

Correspondente

Foi o jornalista Luiz Torres, correspondente do Jornal do Commercio, em Caruaru, quem indicou Antonio Miranda para assumir a mesma função no Diario de Pernambuco. A parceria durou cerca de 15 anos e Miranda guardou em seu arquivo pessoal as principais matérias que escreveu para a imprensa pernambucana.

Em seus escritos, Miranda também noticiava os bastidores políticos e as ações dos movimentos sociais, econômicos e religiosos. O “faro” jornalístico não lhe decepcionava. Miranda sempre estava antenado e atento a tudo que pudesse preencher as linhas de uma boa matéria. Tanto que descobriu que uma vaca subiu no telhado de uma fábrica de camas e, lá de cima, dançou xaxado. A matéria foi reproduzida em jornais de todo o país e também fora dele. O fato rendeu comentários feitos pela BBC de Londres, e pela Voz da América, nos Estados Unidos.

Antonio Miranda também foi responsável por outras descobertas, como o defunto que pulou o muro de um cemitério na zona rural de Caruaru; o forrozeiro que dançou com dez damas, durante 96 horas ininterruptas, num “pinga-pus” do Salgado e tantas outras que eram saboreadas pelos seus leitores. Na época em que era correspondente do Diario de Pernambuco, o seu “rival” na busca pela notícia era o jornalista Souza Pepeu, do JC. Os dois “brigavam” por informações e Miranda recorda um ‘furo’ dado no colega.

Adeus, seu Miranda! O calendário ainda marca novembro, mas em qualquer época, ele sempre se despedia com o seu famoso bordão: “Feliz Natal!”.

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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