Em seu novo trabalho, PAJEÚ, o roteirista e cineasta Pedro Diógenes, novamente situa a ação em Fortaleza, como de costume em sua obra, pois, conforme ele mesmo diz, é sua maior inspiração. “É uma cidade que sempre me surpreende, tanto positivamente quanto negativamente. Uma cidade que me encanta e me decepciona ao mesmo tempo. E muitas dessas inquietações vem da relação que Fortaleza tem com a memória, ou com a falta de memória”, explica. O longa, que foi premiado como melhor filme no Olhar de Cinema de 2020, será lançado no Brasil pela Embaúba Filmes.
Exibido no FidMarseille, no 30o Cine Ceará, na 24a Mostra de Tiradentes e no Festival do Rio, entre outros, o longa, roteirizado por Diógenes, combina ficção e documental para resgatar a história do Riacho Pajeú, de extrema importância para a história de Fortaleza, mas que desapareceu e foi esquecido na memória dos moradores e moradoras da cidade. “Se foi apagado da cidade o riacho, responsável pelo nascimento e povoamento de Fortaleza, que outras histórias, pessoas e possíveis cidades também foram e são soterrados a cada dia?”, questiona.
O dispositivo para essa investigação parte de uma personagem ficcional, Maristela (Fátima Muniz), uma jovem motivada, dentro da narrativa, por sentimentos como angústia, medo e tensão. Ela tem um pesadelo constante: um monstro emerge das águas do Riacho Pajeú. A recorrência do sonho, começa a atrapalhar sua vida, e, para superar isso, ela resolve pesquisar sobre o riacho.
Entrevistando moradores e moradoras de diversas idades, na rua, na praia, e em vários lugares, ela descobre que, na cidade, quase ninguém mais se lembra do Pajeú, que se tornou um nome vago, algo perdido no passado. Ao mesmo tempo, na história de Maristela, pessoas próximas a ela começam a desaparecer.
Diógenes explica que o lado documental se construiu no filme de várias formas. “Cada um desses encontros nasceu de maneira diferente, e contou com uma estratégia de abordagem própria. Algumas personagens surgiram durante uma pesquisa, realizada por Victor Furtado, na pré-produção do filme e esses encontros foram previamente planejados. Outros personagens e encontros surgiram durante a filmagem de maneira aleatória e espontânea a partir da interação da Maristela.”
Filmando em 2019, o diretor conta que o momento político, no primeiro ano do governo Bolsonaro, trouxe sentimentos de angústia, medo e tensão à equipe, como à protagonista. “Esse era o clima que o país passava e essas sensações acabaram permeando o processo e a linguagem do filme que, em alguns momentos, flerta com elementos do gênero terror. Na época da realização do PAJEÚ, parecia impossível não levar para o filme essas sensações e emoções. Estávamos todos e todas como Maristela: confusos, temerosos e aflitos. E, assim como as personagens do filme, estamos todos em fragmentos lutando para conseguir reconstruir algo.”
Dessa maneira, o desaparecimento e esquecimento do Riacho também entra de uma forma simbólica no longa. “Isso é o símbolo de um país que foi construído por cima de muita destruição e desprezo. Como os rios e os riachos desse país, vidas e sonhos também são soterrados e esquecidos em nome dos lucros dos bilionários”.
Diógenes define o longa como uma construção coletiva, que contou com a colaboração de todos e todas profissionais envolvidas no trabalho. “Tínhamos o desafio de misturar elementos diferentes de linguagem, tentando manter uma unidade estética para o filme. Como as águas de um riacho, o filme percorre um percurso e a cada momento ele se adapta à situação vivida pela personagem.”
Desde sua estreia, no FIDMarseille, o longa tem colhido vários elogios. “O riacho Pajeú como centro narrativo e cinematográfico coloca tanto em suspense um mito originário em constante busca de encontrar o mar, como a fragilidade das fundações serem esquecidas por debaixo de outras construções frágeis diante da força natural”, escreve Davi Lima, do Plano Crítico. “Por 73 minutos, PAJEÚ aborda seu tema com uma curiosidade incansável e vívida, cuja empolgação supera a tristeza emocional das notícias ruins que ficam surgindo”, comenta Vadim Rizov, da Filmmaker Magazine.