O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou a suspensão imediata de procedimentos investigatórios instaurados na Receita Federal que atingiram ministro da corte e outras autoridades. Para Moraes, há “graves indícios de ilegalidade no direcionamento das apurações em andamento”.
Além da suspensão, o ministro decidiu afastar temporariamente dois servidores da Receita por indevida quebra de sigilo apurada em procedimento administrativo disciplinar.
A decisão de Moraes vem no mesmo dia em que a Folha de S.Paulo, junto com o site The Intercept Brasil, publicou mensagens de Telegram que revelam que o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, incentivou colegas em Brasília e Curitiba a investigar Toffoli, em 2016. À época o ministro começava a ser visto pela Operação Lava Jato como um adversário.
“Considerando que são claros os indícios de desvio de finalidade na apuração da Receita Federal, que, sem critérios objetivos de seleção, pretendeu, de forma oblíqua e ilegal investigar diversos agentes públicos, inclusive autoridades do Poder Judiciário, incluídos Ministros do Supremo Tribunal Federal, sem que houvesse, repita-se, qualquer indicio de irregularidade por parte desses contribuintes”, considerou Moraes.
A decisão, desta quinta-feira (1º), foi no âmbito de um inquérito aberto em março para apurar fake news e ameaças contra integrantes da corte. O inquérito também foi prorrogado por mais 180 dias (seis meses).
O inquérito foi instaurado de ofício (sem provocação de outro órgão) pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, o que causou críticas de especialistas em direito e oposição da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que quis o arquivamento da apuração.
Na época da abertura do inquérito, já havia a informação de que os procedimentos da Receita poderiam ser averiguados. A investigação corre em sigilo no STF.
Conforme as mensagens, Dallagnol buscou informações sobre as finanças pessoais de Toffoli e sua mulher, Roberta Rangel, e evidências que os ligassem a empreiteiras envolvidas com o esquema na Petrobras.
A Constituição determina que ministros do Supremo não podem ser investigados por procuradores da primeira instância, como Deltan e seus colegas. Os ministros só podem ser investigados com autorização do próprio tribunal, onde quem como representante do Ministério Público Federal é o procurador-geral da República.
As mensagens examinadas pela Folha de S.Paulo e pelo Intercept mostram que Deltan ignorou essas restrições ao estimular uma ofensiva contra Toffoli. Sugerem também que ele recorreu à Receita para levantar informações sobre o escritório de advocacia da mulher do ministro.
“Caros, a OAS touxe a questão do apto do Toffoli?”, perguntou Deltan no grupo que eles usavam no Telegram em 13 de julho de 2016. “Que eu saiba não”, respondeu o promotor Sérgio Bruno Cabral Fernandes, de Brasília. “Temos que ver como abordar esse assunto. Com cautela.”
Duas semanas depois, Deltan procurou Eduardo Pelella, chefe de gabinete do então procurador-geral, Rodrigo Janot, para repassar informações que apontavam Toffoli como sócio de um primo num hotel no interior do Paraná. Deltan não indicou a fonte da dica.
No dia seguinte, o chefe da força-tarefa insistiu com o assessor de Janot. “Queria refletir em dados de inteligência para eventualmente alimentar Vcs”, escreveu. “Sei que o competente é o PGR rs, mas talvez possa contribuir com Vcs com alguma informação, acessando umas fontes.”
As mensagens foram reproduzidas pela Folha de S.Paulo com a grafia encontrada nos arquivos originais obtidos pelo Intercept, incluindo erros de português e abreviaturas.
Na mesma época, os procuradores comentaram pelo Telegram sobre apurações envolvendo a Guiomar Mendes, mulher de outro ministro do STF, Gilmar Mendes. “Tem uma conversa de que haveria recebimentos cruzados pelas esposas do Toffoli e Gilmar”, escreveu Deltan. “Tem mta especulação. Temos a prova disso na nossa base? Vc teve contato com isso?”
O procurador Orlando Martello Júnior respondeu que não tinha nada que confirmasse as suspeitas, mas compartilhou com Deltan informações que recebera um ano antes sobre a atuação do escritório da mulher de Toffoli na defesa da empreiteira Queiroz Galvão no TCU (Tribunal de Contas da União).
Um informante de Martello, que ele não identificou na conversa, dizia ter encontrado uma procuração que nomeava Toffoli e a mulher como representantes da empresa no TCU e sugeria que essa ligação obrigava o ministro a se afastar dos processos da Lava Jato.
Neste ano, soube-se que as mulheres de Toffoli e Gilmar foram, de fato, alvo da Receita. Em fevereiro, o jornal O Estado de S. Paulo noticiou que elas fizeram parte de um grupo de 134 contribuintes investigados por uma equipe especial criada pelo fisco em 2017.
A força-tarefa da Lava Jato afirmou à reportagem que cumpre a lei. “É comum o intercâmbio de informações para verificar, em caráter preliminar, supostos fatos de que o Ministério Público tenha conhecimento”, afirmou, em nota. “Isso impede inclusive que se dê início a apurações injustificadas.”
Após a publicação das conversas, o ministro Gilmar disse à coluna de Mônica Bergamo que o aparato judicial brasileiro vive sua maior crise desde a ditadura.
“As revelações da Folha explicitam os abusos perpetrados pela denominada força-tarefa. E reclamam as providências cabíveis por parte de órgãos de supervisão e correição. Como eu já havia apontado antes, não se trata apenas de um grupo de investigação, mas de um projeto de poder que também pensava na obtenção de vantagens pessoais”, afirmou o magistrado.
“Com a publicação, hoje, desses diálogos, fica claro quem usou a Receita como um órgão de pistolagem.”
Folhapress