Os quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foram marcados por retrocessos em várias áreas, como meio ambiente, educação, saúde, direitos humanos e combate às desigualdades sociais, que devem custar caro aos contribuintes, conforme dados de um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
No relatório “Balanço Geral dos Gastos da União – 2019-2022”, sob o título de “Depois do Desmonte”, divulgado nesta segunda-feira (17/4), o Inesc mostra nas 131 páginas que o enxugamento de gastos do governo Bolsonaro efetuou cortes em áreas fundamentais de programas sociais e ambientais, privilegiando o equilíbrio fiscal em detrimento da vida e do bem-estar da população. A principal conclusão do levantamento é que as contas públicas do governo federal registraram o primeiro superavit primário desde 2013, de R$ 54,1 bilhões, às custas do aumento da injustiça social, do desmatamento da Amazônia, por exemplo, de acordo com a economista Nathalie Beghin, integrante do Colegiado de Gestão do Inesc.
“Nos quatro anos de governo, Bolsonaro deixou pouca coisa em pé. Foi como se tivesse passado um tsunami e o cenário era de terra arrasada. As áreas que tiveram redução de recursos, precisam reconstruir as estruturas que foram destruídas”, destaca a economista do Inesc. Ela ressalta que, no Meio Ambiente, uma das áreas mais frágeis, o desmonte é mais visível e os recursos aprovados na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, que ampliou o teto de gastos em R$ 145 bilhões, são insuficientes para recuperar pastas e órgãos mais afetados pelos cortes de recursos.
Ela reconhece que o grosso desses recursos será destinado para a ampliação do Bolsa Família, algo em torno de R$ 75 bilhões, mas é o começo para a retomada das políticas públicas. “O novo governo conseguiu aprovação do Congresso para ampliar recursos para saúde, educação e meio ambiente. Mas será um grande desafio reerguer as estruturas que foram destruídas, principalmente as de fiscalização do meio ambiente”, alerta.
Desmatamento
documento destaca que o valor orçado para o Ministério do Meio Ambiente de 2022, de R$ 2,7 bilhões foi 20 vezes menor do que o saldo positivo das contas públicas do ano passado. De acordo com o instituto, nessa pasta, a boiada passou, em referência à frase do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles dita na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, no auge da pandemia, quando defendia a desregulamentação do setor.
A execução financeira registrou perda real de 17%, passando de R$ 3,3 bilhões, para R$ 2,7 bilhões entre 2019 e 2022. A instituição que mais perdeu recursos foi o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com uma queda real de 32% na gestão Bolsonaro.
Na administração direta da pasta, a execução financeira caiu 11,2% entre 2019 e 2022, passando de R$ 244 milhões para R$ 216 milhões, sem contar a destruição do Ibama, que perdeu 8% de seu precário orçamento (de R$ 1,8 bilhão para R$ 1,7 bilhão, em 2022).
Vale lembrar que o desmatamento no governo Bolsonaro foi o maior no período de 15 anos, e, apenas com a troca de governo, os governos da Noruega e da Alemanha desbloquearam os recursos do fundo Amazônia, que deixou de receber aportes durante a gestão do ex-capitão, que negligenciou na proteção das florestas, uma das exigências para a liberação dos recursos do fundo. Criado em 2008, o fundo recebeu R$ 3,4 bilhões em doações, tendo o governo da Noruega como principal doador responsável por 93,8%, de acordo com os últimos dados oficiais do fundo, de 2021.
De acordo com informações da Embaixada da Noruega, que tem demonstrado otimismo com a troca de governo e a reaproximação dos governos dos dois países, a liberação dos recursos no estoque do fundo, que giram em torno de R$ 4 bilhões atualmente, ocorrerá de acordo com os projetos propostos e dos números consolidados de desmatamento.
Nathalie Beghin ressalta que a pandemia da covid-19, deixou um saldo de superior a 700 mil mortos, sendo que dos recursos autorizados pelo Congresso Nacional ao combate aos efeitos do novo coronavírus, um saldo de R$ 159,3 bilhões, não foram utilizados no combate à fome, ao desemprego e à falta de estrutura das escolas para se adaptarem ao ensino virtual.
Desmonte da Funai
Conforme os dados do relatório do Inesc, sob o governo Bolsonaro, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) foi um dos órgãos mais afetados pelo desmonte, pois o órgão encolheu enquanto a população indígena cresceu. O estudo mostra, por exemplo, que, em 2010, para atender uma população de 900 mil indígenas, a execução financeira do órgão chegou à casa de R$ 808,68 milhões (números atualizados pelo IPCA de janeiro de 2023), em 2022, para uma população estimada de 1,6 milhão de indígenas, a execução financeira foi de R$ 640,18 milhões. Ou seja, a população indígena cresceu 78%, enquanto a execução financeira do principal órgão indigenista caiu 21% em termos reais no mesmo período. “Em poucas palavras, isso significa dizer que o Orçamento per capita da Funai caiu para menos da metade entre 2010 e 2022”, destaca o documento.
A pesquisa do Inesc também mostra que a média de servidores por mil indígenas, em 2010, era de 2,59. E, neste ano, a partir de uma atualização dos dados do Inesc pela prévia do Censo, essa relação caiu para 0,84% em janeiro de 2023. Ou seja, em termos proporcionais, o número de servidores da Funai para cada mil indígenas caiu 68% no período.
O orçamento autorizado para o órgão saiu dos insuficientes R$ 838 milhões, em 2019, para R$ 647 milhões, em 2022, uma queda de 23%, em termos reais (descontada a inflação). “A diminuição do recurso autorizado para o órgão tem efeito perverso e vicioso: a Funai, sem a estrutura necessária para realizar as políticas pelas quais é responsável, com poucos recursos autorizados, tampouco consegue remontar sua estrutura, incorrendo em uma execução financeira que decresceu no período Bolsonaro”, informa o documento que não poupa críticas à política de fragilização dos direitos indígenas adotada pelo governo anterior.
A execução financeira da Fundação, entre 2019 e 2022, caiu de R$ 754 milhões para R$ 640 milhões – R$ 114 milhões a menos ou uma queda, em termos reais, de 15% entre o início e o final do mandato de Bolsonaro, “a despeito do crescimento populacional indígena no período”. “Esse é um dos retratos do desmonte que apontamos no estudo”, destaca Nathalie Beghin.
De acordo com o levantamento, entre 2019 e 2022 o orçamento da Saúde, retirando os gastos com covid-19, diminuiu 8% em termos reais, apesar das demandas reprimidas e do aumento da população. Esse valor corresponde a R$ 12 bilhões a menos para a área, que já vinha sofrendo problema crônico de desfinanciamento imposto pelo teto de gastos.
A economista do Inesc ressalta ainda que o programa Casa Verde Amarela, que substituiu o Minha Casa Minha Vida, praticamente não teve investimento nos quatro anos do governo Bolsonaro e, com isso, o deficit habitacional, de 5,9 milhões de moradias, foi agravado não apenas pela pandemia. A execução financeira da função habitação caiu 37% em termos reais entre 2019 e 2022, passando de R$ 78,7 milhões para R$ 29,7 milhões no período.
O estudo ainda aponta quedas expressivas nos orçamentos para as ações de enfrentamento a violência contra as mulheres. O Ligue 180, por exemplo, teve seus gastos diminuídos em 41% nos quatro anos de governo Bolsonaro. A Casa da Mulher Brasileira apresentou zero de despesas em 2019; R$ 225,2 mil, em 2020; R$ 1,2 milhão, em 2021; e R$ 21,2 milhões, em 2022, “grande parte oriundo de restos a pagar de anos anteriores”.
No Ministério da Educação, que teve vários ministros trocados ao longo do governo anterior e nenhum deles se mostrou competente à frente da pasta, os recursos caíram de R$ 131 bilhões, em 2019, para R$ 127 bilhões em 2022. De acordo com o relatório do Inesc, nenhum centavo foi direcionado às escolas em virtude do isolamento social decorrente da covid-19. Os recursos voltados para creches, por exemplo, encolheram 60%, em termos reais, entre 2019 e 2022, passando de R$ 470 milhões para R$ 187 milhões, no período, apesar do aumento de 70% entre 2021 e 2022 decorrente do “novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)”.
Correio Braziliense