Entenda em que o ano eleitoral e a Covid-19 podem interferir no processo de aprovação de contas das gestões municipais

Foi prorrogado para 30 de abril o prazo para as prestações de contas do exercício 2019 dos gestores municipais e todos os agentes que lidam, direta ou indiretamente, com o dinheiro público. A data inicial seria o próximo dia 31 de março (final do primeiro trimestre), mas esse foi mais um cenário impactado pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19). No caso dos 5.571 municípios do País, as contas são apresentadas e julgadas pelo poder legislativo municipal – Câmara de Vereadores – sob parecer prévio do Tribunal de Contas do respectivo Estado, a quem compete por força de dispositivo constitucional a responsabilidade de analisar as contas e sobre elas julgar, aprovando ou rejeitando.

O especialista em gestão pública e diretor do Centro de Estudos e Pesquisa e Assessoria em Administração Municipal (Cespam), Bernardo Barbosa, diz que a obrigação está prevista em Lei Orgânica, que funciona como uma espécie de Constituição de cada município. Este ano, há duas situações que exigem ainda mais atenção por parte dos gestores e equipes: o pleito eleitoral e a citada pandemia.

A lei de responsabilidade fiscal dispõe que no último ano de mandato do gestor certas exigências previstas na legislação fiscal sejam atendidas. Todas as despesas municipais, a partir do segundo quadrimestre (1º de maio), devem ser pagas até 31 de dezembro ou os valores devem permanecer disponíveis para quitar os restos a pagar. “O objetivo é que o prefeito não encerre o mandato devendo a ninguém e que, se estiver devendo, deixe dinheiro em caixa para cumprir o compromisso, independente de pleitear ou não a reeleição”, detalha Bernardo Barbosa.

Um incidente como uma enchente, pandemia ou qualquer outro, contribui para a diminuição de receita de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), assim como do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), por exemplo, que são tributos que têm 22,5% do valor líquido arrecadado pela União distribuídos com os 5.571 municípios do Brasil, através do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Prestação de Contas – A prestação de contas é um verdadeiro relatório da gestão. A cada ano, o Tribunal de Contas de cada Estado publica uma resolução que elenca todos os relatórios, informações, demonstrações contábeis e notas explicativas com o que é preciso mostrar à Corte de Contas sobre o que aconteceu em todo universo da administração.

Julgamento – Como a Câmara é formada por políticos que quase sempre não detêm um conhecimento específico a respeito da matéria, a própria constituição cuidou desse problema quando atribuiu aos tribunais de contas a responsabilidade do controle externo. Antes das câmaras apreciarem as contas encaminhadas pelos prefeitos, ela requisita a participação do Tribunal de Contas do Estado, para que a Corte de Contas, através dos seus técnicos, auditores e conselheiros, emitam um parecer prévio pela aprovação (caso sejam construídas dentro de uma performance que atenda toda a legislação pertinente) ou rejeição (caso não estejam elaboradas na conformidade prevista pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional).

Ao tribunal compete dar o parecer. A Câmara é que é o poder julgador. Ao receber o parecer do Tribunal de Contas do Estado, os vereadores analisam as falhas que foram identificadas, caso o parecer seja pela rejeição, e se manifestam a respeito da aprovação ou não. A prefeitura tem uma equipe de profissionais no controle interno, que acompanham a execução de todos os eventos durante o exercício, verificando a conformidade e a regulação dos procedimentos. O Tribunal de Contas, como órgão de controle externo, conforme determina a CF, realiza auditoria e oferece o parecer.

O parecer do Tribunal pode ser contrariado pelo legislativo municipal, desde que sejam apresentados argumentos, a partir das especificidades locais, que fogem do conhecimento da Corte de Contas, a exemplo de calamidades públicas que tenham atingido a região. “O exercício do poder político tem suas limitações, porque geralmente os municípios têm suas peculiaridades, suas especificidades, que muitas vezes a análise acurada de um controlador ou de um auditor não alcançam”, contextualiza o especialista em gestão pública.

Os maiores entraves para a aprovação das contas são descumprimentos dos percentuais mínimos, 25% das receitas resultantes de impostos na educação, determinado no artigo 212 da CF, 15% em ações e serviços públicos de saúde, exigido pela Lei Complementar nº 141/2012 e ocorrências de irregularidades graves noutros setores da administração pública. Quando rejeitadas, outras instâncias aparecem no processo. “Em qualquer procedimento que contrarie a legislação específica (lei orgânica do município, constituição estadual ou federal, lei orgânica do tribunal de contas ou resoluções específicas), o Ministério Público de Contas entra para questionar. É muito difícil que um problema não seja resolvido dentro da lei”, explica também Bernardo Barbosa sobre as consequências de contas rejeitadas.

Uma pandemia é de conhecimento geral, mas há eventos locais que são desconhecidos da Corte de Contas e podem ser argumentos favoráveis ao gestor, durante o processo de defesa, em suas várias instâncias. “Às vezes, há um conjunto de eventos que resultam no não cumprimento dos percentuais mínimos de investimento exigidos em lei em cada setor, mas é preciso que isso seja justificado”, detalha ainda o diretor do Cespam.

Rejeição de Contas – O cidadão comum não consegue interpretar onde aquilo lhe prejudicou, mas basta olhar onde está faltando investimento no seu município. Há prejuízo para o gestor que tem as contas rejeitadas, que fica inelegível, independente de popularidade ou prestígio político que tenha em sua região, mas também para o povo. “O cidadão deveria ser mais presente porque quando uma conta é rejeitada significa que o dinheiro público, o meu dinheiro pago em impostos, o dinheiro do empresário foi mal aplicado ou em discordância com a lei. Todo dinheiro mal aplicado gera rejeição de contas”, alerta Bernardo Barbosa.

É para isso que também serve a participação do cidadão em audiências públicas: para cobrar a boa aplicação de verbas no município onde mora. O cidadão pode ter acesso à prestação de contas do município, inclusive na Câmara de Vereadores (conforme disposto na CF). “O cidadão precisa observar o município. É papel do cidadão cobrar ao poder legislativo a devida análise das constas”, complementa Barbosa.

CESPAM – O Centro de Estudos e Pesquisa e Assessoria à Administração Municipal (Cespam) assiste a 38 prefeituras municipais em Pernambuco e tem 45 anos de consultoria e assessoria técnica prestadas no Estado.

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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