Marina: Acordão para manter direitos visa Cunha

Da Folha de São Paulo

A ex-senadora Marina Silva (Rede Sustentabilidade) interpretou a decisão do Senado de manter os direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) como um “acordão” que beneficiará políticos envolvidos em escândalos de corrupção.

“Provavelmente, o beneficiado será, em seguida, já, o ex-presidente da Câmara dos Deputados [Eduardo] Cunha (PMDB-RJ). Quando digo que PT e PMDB são faces da mesma moeda, irmãos siameses, está provado”, afirmou Marina, que foi candidata à Presidência em 2014.

Ela afirmou que a gestão do peemedebista “aprofunda os retrocessos” iniciados no primeiro governo Dilma e que o “caminho certo” é a cassação da chapa de ambos e a convocação de novas eleições.

Folha – Qual foi a sua sensação ao ver a votação?

Marina Silva – Vejo com tristeza e, ao mesmo tempo, tenho a clareza de que houve, sim, crime de responsabilidade. Impeachment não é golpe. A própria presidente se defender na sessão legitimando o processo até o fim, a sessão presidida pelo presidente do Supremo, tudo isso é uma demonstração de que não é golpe. O processo alcança a finalidade da formalidade legal, mas não alcançará a finalidade, porque o PT e o PMDB são faces da mesma moeda e provaram isso com o acordão feito para assegurar os direitos de ocupar função pública, tanto para a presidente Dilma, quanto para os que estão na fila dos dois partidos que promoveram tudo o que está aí que podem se tornar inelegíveis pela lei. Provavelmente, o beneficiado será em seguida já o ex-presidente da Câmara dos Deputados [Eduardo] Cunha (PMDB-RJ). Quando eu digo que são faces da mesma moeda, são irmãos siameses, está provado.

A senhora defende a cassação da chapa Dilma-Temer e a convocação de nova eleição. Essa hipótese ficou mais distante?

Acho que a gente não deve abrir mão do que é certo em nome do que é mais fácil. O que é certo é o processo do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), porque alcança a formalidade e a finalidade de passar o Brasil a limpo.

A Rede acirrará a oposição ao governo Temer?

A Rede é um partido independente, com uma outra lógica da dos partidos atuais. Fomos independentes no governo Dilma, teria tudo para terem nos caracterizado como oposição, mas não temos a lógica dessa polarização perversa que faz oposição por oposição ou é situação por ser situação. Éramos independentes no governo da presidente Dilma. Continuaremos independentes no governo do seu ex-vice-presidente Temer.

Dilma falou em machismo e misoginia em seu pronunciamento. Embora não veja golpe, a senhora concorda que haja elementos nesse sentido?

Acho que a presidente Dilma está fazendo a narrativa dela. Temos de nos ater aos fatos. Houve crime de responsabilidade e seu julgamento foi por crime de responsabilidade. Poderia ter sido mais amplo se o PMDB e a oposição juntamente com o Cunha não tivessem tirado do processo as graves denúncias de corrupção que envolvem a chapa Dilma-Temer. Faço política há mais de 30 anos e sei que existe discriminação, machismo e uma série de coisas, mas nunca me vitimizei quando as posições a mim contrárias são por diferenças políticas.

Dilma se vitimiza com essa narrativa?

Não quero entrar no detalhe. Vou falar o que eu penso a respeito do que foi o objeto de julgamento da mobilização da sociedade brasileira e que se materializou no crime de responsabilidade.

Movimentos criticam Temer pela falta de diversidade em seu governo. Isso a preocupa?

Me preocupa todo e qualquer tipo de retrocesso que se iniciaram no primeiro governo da presidente Dilma, o governo que menos assentou trabalhadores rurais, que menos demarcou terras indígenas, que regularizou mais de 40 milhões de hectares de florestas desmatadas ilegalmente, que começou a mudar o Código Florestal para o desmatamento voltar a crescer. Quem colocou o Temer na linha sucessória da Presidência da República foi a aliança entre PT e PMDB. Existem retrocessos e não são poucos e estão sendo aprofundados. Quem contribuiu para isso foi quem fez alianças com eles.

O processo terá que efeito sobre a população?

A população está pagando um preço altíssimo e mais de 60% quer novas eleições. Não imagino que a sociedade vá desistir do caminho certo, porque sabe que nem Dilma nem Temer tem condição de fazer a transição que o país precisa nesse momento. Não temos um cenário cor-de-rosa como foi vendido para a opinião pública em 2014 pela chapa Dilma-Temer. Temos um cenário de dificuldade, com milhões de desempregados, inflação alta, juros altos, temos um cenário de desesperança. Eu não torço pelo quanto pior, melhor. Sempre apostei no melhor para o país. Mas não consigo imaginar que a gente vá conseguir resolver como se fosse em um passe de mágica uma complexidade dessa magnitude e natureza, mas a política não é algo predeterminado.

Acredita em uma retomada na rotina política e econômica do país? Há clima para reformas?

Temos muitas dificuldades pela frente. Ainda que tenhamos uma equipe econômica tecnicamente competente, até hoje não a vi dialogar com os temas estratégicos para uma transição adequada para o século 21. Temos inúmeras dificuldades, inclusive a falta de aprendizagem de que essa sociedade é plural, tem mulheres, tem negros, índios, quilombolas, ribeirinhos, empresários, trabalhadores, juventude e movimentos sociais de todas as naturezas.

É um dia muito difícil, viu? Porque parece que os aprendizados estão sendo muito poucos. Lutei muito, desde 2010, para que a gente compreendesse que é melhor mudar, antes de ser mudado. Já que não se teve a compreensão de mudar, a história agora está nos mudando e eu espero em Deus que possa ser para que a gente pelo menos aprenda com os erros próprios, já que não fomos capazes de aprender com os erros do passado.

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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