OPINIÃO: A cópia e a xerox

Por ELAINE VIANA*

(Da série “Ainda não conheci o mundo, mas há quem diga que ele começa em Caruaru”.)

Sempre acreditei que o acesso à informação, como parte do processo de aquisição de conhecimento, é condição essencial para a adaptação do homem. Por isso, devido à minha condição de recém-chegada às terras desta cidade-país (o “País de Caruaru”), venho refletindo sobre as informações trazidas pelos novos colegas e amigos destas paragens, bem como do noticiário caruaruense.

Como boa representante das angúrias atuais para conciliar as inúmeras funções reservadas ao gênero feminino, embalo as tarefas domésticas matinais com o noticiário de emissoras locais de rádio. A princípio, detenho-me nesta ou naquela displicência dos colegas jornalistas que, ora se abstêm de citar a fonte, assumindo o discurso dos representantes do governo municipal, ora esquecem de privilegiar o discurso direto na própria elaboração do texto informativo e, distraidamente, ofendem a clareza e a objetividade tão cortejadas pela comunicação social. Ultimamente, notícias e reportagens têm sido meu principal objeto de reflexão em busca de capturar a maneira de sentir e pensar deste povo, ao qual me afeiçoo um pouco mais a cada dia.

A pauta do noticiário do dia anuncia a aprovação, pela Câmara Municipal, de pleito para instalação de mirantes no Monte Bom Jesus. Até aí tudo bem, não fosse a ênfase dada pela matéria ao fato do morro ter sido “pacificado”, termo repetido três vezes em um mesmo período de poucas frases curtas. Pacificado? Como assim? Será este o Morro Bom Jesus do Alemão? Imediatamente, as estatísticas do crime organizado do Rio de Janeiro habitam minha mente, seguidas pelas imagens sensacionalisticamente veiculadas em noticiários nacionais: tiros, arsenais bélicos, fugas e perseguições.

Insiste uma estranheza materializada na pergunta que não quer calar: por que razão a utilização política da palavra “pacificação”? Que estranha estratégia de marketing esconde-se atrás do termo? A infelicidade da escolha parece-me gritante. Quantos humildes mortais, assim como eu, têm como motivação para um movimento migratório a busca por qualidade de vida? E outros tantos mortais, nem tão humildes assim, que pensam encontrar no município as condições para instalar ou ampliar seus investimentos? Por um segundo, cogito voltar à capital. Lá, apesar da violência bem mais explícita, não há regiões pacificadas. Pelo que sei constar, ainda não se fez necessário tanto.

Então, imagino a população simples de baixa renda com seus amplos sorrisos ao sentirem-se pertencentes a uma comunidade pacificada. Comungando deste pseudo marketing às avessas, tornam-se beatos de São Prefeito das Dores Eternas ou de São Deputados das Verbas Vindouras. Imagino também o apogeu quase hollywoodiano que costuma acompanhar tais ações, com direito à visita de presidentes, ministros, governantes, secretários, diretores, aduladores e bajuladores de toda natureza de poderes, órgãos e instituições.

Aqui, no “País de Caruaru”, ou lá, nos Morros do Rio de Janeiro, a pretensa pacificação guarda suas semelhanças: afasta-se e coíbe-se a escória marginalizada, sem que se extingam as causas da marginalização. Lá, o crime volta a se organizar nas barbas do Estado e com a conivência deste. Aqui? Rezemos e vigiemos para que, como diria um amigo recém-adquirido nestas terras: “Nem sempre a cópia seja igual a xerox”.

*Elaine Viana é jornalista, especialista em comunicação empresarial e servidora do TJPE (Tribunal de Justiça de Pernambuco)

Natural do Rio de Janeiro, é jornalista formado pela Favip. Desde 1990 é repórter do Jornal VANGUARDA, onde atua na editoria de política. Já foi correspondente do Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e Portal Terra.

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