Refletindo a queda dos combustíveis, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, registrou baixa de 0,68% em julho. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi a primeira vez que o índice ficou no campo negativo e a menor taxa registrada desde o início da série histórica, em janeiro de 1980. Em contrapartida, o custo da alimentação continua sem dar trégua aos brasileiros, registrando alta média de 1,30% no mês passado.
No dia 20 de julho, a Petrobras anunciou uma redução de R$ 0,20 no preço da gasolina vendida para as distribuidoras. Além disso, a Lei Complementar 194/22, sancionada no final de junho, que reduziu o ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e comunicações, também impactou no resultado. Por conta disso, a gasolina teve queda de 15,48% no mês passado. E a redução do imposto afetou não só o grupo de transportes do IPCA, que recuou 4,51%, mas também o de habitação, que teve queda de 1,05%, por conta da diminuição de 5,78% no preço da energia elétrica residencial.
No entanto, segundo o economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) André Braz, só deve sentir realmente o resultado da deflação a população de renda mais alta. Já as famílias de baixa renda devem comprometer ainda mais o orçamento com a compra de alimentos: os produtos de alimentação e bebidas tiveram, mais uma vez, a maior variação — 1,30% — dos grupos do IPCA, com impacto positivo 0,28 ponto percentual no índice de inflação do mês.
“Brasileiros de classe média baixa não vão perceber a deflação, porque não têm despesas representativas com gasolina, que é um bem de luxo pertencente à classe média alta. E a energia elétrica já era tributada em muitos estados de forma diferenciada para consumo reduzido. Uma família de baixa renda, com uma casa pequena e poucos eletrodomésticos, já não tinha uma demanda de energia com ICMS acima de 18%, logo não vai perceber a queda”, avaliou Braz. O economista observou ainda que, se a inflação caiu em função de um grupo concentrado de produtos, cerca de dois terços dos itens pesquisados pelo IBGE apresentaram alta de preços.
Angela Aires, de 40 anos, é zeladora e mora com o filho, de 20 anos, que ajuda a complementar a renda domiciliar. Ela contou que tiveram momentos difíceis neste ano, devido ao alto custo da cesta básica. “Chegou uma hora em que optei por comer mais fora de casa, até pelo preço da energia. Então, nos últimos meses, fiz poucas compras no mercado. Os preços chegavam a assustar, parecia que o preço subia todo dia.”
Laticínios
A alta do grupo de alimentação, em julho, foi puxada mais uma vez pelo leite longa vida, que subiu mais de 25%. Em consequência, derivados como queijo e manteiga também registraram fortes altas. O leite contribuiu especialmente para o resultado da alimentação no domicílio, que acelerou de 0,63% em junho para 1,47% em julho. Outro destaque foram as frutas, com alta média de 4,40% e impacto de 0,04 ponto no IPCA de julho.
Adalberto Gomes, de 60 anos, mora no Cruzeiro e é eletricitário. Ele disse que os preços melhoram para alguns produtos e pioraram para outros, mas a inflação dos últimos meses o fez mudar de estratégia durante as compras. “Fazia feira mensalmente, agora tem que ser de 15 em 15 dias para aliviar o cartão de crédito. Algumas coisas melhoraram, como o quilo de tomate, mas tudo está caro. A gente tem que escolher. Troco carne por frango e não compro mais queijo. Leite, nem coloco no carrinho”, contou.
Segundo o gerente da pesquisa do IBGE, Pedro Kislanov, os alimentos subiram mais uma vez em função de efeitos sazonais, como a chuva escassa no inverno. “Essa alta do produto se deve, principalmente, a dois fatores, Primeiro, estamos no período de entressafra, que vai de março até setembro, outubro, ou seja, um período em que as pastagens estão mais secas, o que reduz a oferta de leite no mercado. Segundo, os custos da produção estão muito altos”, explicou Kislanov.
Apesar do índice negativo em julho, no ano a inflação acumulada é de 4,77% e, nos últimos 12 meses, de 10,07%, bem acima do centro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para 2022, de 3,5%. A tendência, segundo André Braz, é que a inflação desacelere nos próximos meses, com as principais economias do mundo “colocando um pezinho na recessão”.
Correio Braziliense