Por Magno Martins
Caruaru, a terra de Vitalino, as mãos sagradas que imortalizaram os bonecos de barro do maior centro de artes figurativas da América Latina, tem também uma verdadeira lenda da Imprensa nordestina. Baixinho, magro, quase esquelético, banguelo e cara assustadora, Tavares Neto, 71 anos, persegue a notícia há 50 anos.
Conhecido em todas as esquinas da capital do Agreste, visto como figura folclórica e divertida, é, na verdade, o papa da radiofonia pernambucana. Aonde vai, a notícia bate nele e se impregna como visgo. Com o ouvido e os olhos viciados em notícia desde garoto, Tavares Neto abandonou a profissão de contador para viver intensamente do rádio e pelo rádio.
Faz a notícia e é notícia, não apenas na área policial, que cobriu por muito tempo, mas principalmente na política. É, sem dúvida, uma enciclopédia viva da história brasileira desde o período do golpe militar, em 1964, aos dias atuais, onde vive do mesmo jeito do passado: agarrado a um gravador. Na ditadura, acusado de noticiar um fato interpretado com viés racista, foi preso pela Polícia Federal.
Já quando o ex-presidente Figueiredo esteve no Recife, rompeu a forte segurança que o cercava, jogou um enorme gravador na boca do general e perguntou a ele se os comunistas cassados seriam anistiados. Era uma provocação sobre a possível volta de Miguel Arraes. Houve um bate-boca com os seguranças de Figueiredo que rendeu matéria no Jornal Nacional, na época apresentado por Cid Moreira. “Eu tomei um susto quando me vi no JN, sendo a notícia mais destacada daquele dia”, recorda.
Tavares Neto fez também intrigas e entregou políticos. Foi ele que soprou no ouvido do ex-prefeito de Caruaru, Drayton Nejaim, no seu entender o maior político da cidade, que o ex-deputado Ricardo Fiúza andava falando mal dele num restaurante da cidade. Imediatamente, Drayton pegou um revólver e saiu procurando Fiúza na cidade para matá-lo. Tavares Neto conviveu, também, com figuras lendárias do jornalismo brasileiro.
Ciceroneou, em Caruaru, na década de 60, por exemplo, o jornalista Samuel Wainer, criador do jornal Última Hora, na cobertura da eleição que Jânio Quadros derrotou Lott. Também teve a coragem de passar por cima da censura ao noticiar, na rádio Cultura, onde até hoje trabalha, que dom Helder Câmara estava na cidade, fato que estava proibido em todos os veículos de comunicação do País.
Também noticiou que o Arcebispo de Olinda e Recife, referência da Igreja no combate à ditadura, não teria seu título de cidadão de Caruaru aprovado pela Câmara. Radialista nato, furão, atrevido e sagaz, Tavares Neto, nos últimos 50 anos, atuou em rádio e foi correspondente em Caruaru de todos os jornais da capital.
Num certo dia, foi informado que uma notícia sua, proibida de sair no Brasil, foi destacada pela BBC, de Londres. Segundo ele, dizia respeito a uma passeata em Caruaru, única no País, em apoio ao Governo Médici, por populares satisfeitos com a adoção de uma ajuda de meio salário mínimo.
Tavares Neto acompanha a evolução do jornalismo. Com o advento da internet, usa sua conta no Instagram para contar as histórias que viveu como radialista nos últimos 50 anos. Só com as de Drayton Nejaim, dariam um livro. Tavares foi o único que teve coragem de noticiar que o ex-prefeito “vendeu” o mandato da esposa Aracy Nejaim, que elegeu deputada estadual pela sua força política no Agreste. “O caso foi parar na Polícia Federal”, recorda ele.
Há pouco, contou que o lendário comunista Gregório Bezerra, candidato a deputado federal nas eleições de 1945, foi hostilizado pela militância do concorrente Gersino de Pontes. Tudo porque Gregório denunciava a exploração dos assalariados no País. “Gregório chegou a entrar em luta corporal, foi agredido e, com arma em punho, tentou atirar, mas teve a arma apreendida pela polícia”, lembra, adiantando que, abertas as urnas, Gregório teve uma excelente votação em Caruaru.