O sinais de aquecimento da economia verificados pelo IBGE em junho indicam que a retomada ainda é muito focada em artigos essenciais e, segundo economistas ouvidos pela reportagem, dependente do auxílio emergencial concedido pelo governo federal após o início da pandemia.
Para os especialistas, a manutenção do ritmo de recuperação vai depender da decisão sobre a prorrogação do benefício e de uma recuperação do mercado de trabalho, único dos grandes indicadores do IBGE que ainda não mostrou sinal de melhora.
“A reabertura [do comércio] e a transferência de dinheiro nos dão algum otimismo para a transição do segundo para o terceiro trimestre, mas isso pode ser temporário diante do risco de abismo fiscal”, dizem os economistas Fábio Ramos e Tony Volpon, do banco UBS.
Na comparação com abril, considerado o fundo do poço da pandemia, os dados do IBGE mostraram melhora disseminada nos três grandes setores da economia pesquisados pelo instituto –indústria, comércio e serviço–, mas a evolução se dá sobre uma base de comparação muito baixa, lembra o economista Otto Nogami, do Insper.
“Apesar de o valor absoluto [de evolução em relação ao mês anterior] ser grande, os números não necessariamente retratam uma realidade que a economia está vivendo, porque as bases de comparação são extremamente baixas”, diz. “E não são garantia de que nos próximos meses estaremos num patamar equivalente ao período anterior o distanciamento social.”
A comparação com o mês de fevereiro, o último sem nenhuma semana em distanciamento social, já mostra que poucos segmentos da economia conseguiram recuperar o patamar anterior à crise, a maior parte deles ligado ao consumo de bens essenciais. Na indústria, operam no azul os fabricantes de alimentos, bebidas, produtos de higiene e farmacêuticos, por exemplo.
Os bens semi e não duráveis se recuperaram do tombo recorde do pico da pandemia, mas ainda estão em nível bem abaixo. Montadoras e o setor calçadista, por exemplo, produzem menos da metade do volume verificado em fevereiro. A fabricação de roupas está em um patamar 37% inferior, e a produção de equipamentos de informática é quase 20% menor.
No comércio, a recuperação do patamar de fevereiro foi puxada pelo setor de supermercados, que representa mais de 50% do indicador e não parou durante a crise. Em relação a fevereiro, operam no terreno positivo também material de construção e móveis, vistos como reflexo da injeção de dinheiro do auxílio emergencial na economia.
Na avaliação de Nogami, mesmo a leve recuperação de setores não essenciais em relação a abril pode mostrar efeitos de reposição de estoques e da demanda reprimida durante as semanas de isolamento. “Foi um pico em razão da demanda reprimida e agora vai tender a entrar em uma linha de normalidade.”
O IBGE vê, por exemplo, um aumento nas compras de produtos para o lar, o que explicaria o aumento de 31% nas vendas de móveis em junho.
“As pessoas estão passando mais tempo em casa, entendendo as necessidades, e pode ser que a renda do auxílio acabe virando consumo, e não poupança”, disse o gerente da pesquisa de comércio do instituto, Cristiano Santos.
Mesma percepção tem a indústria têxtil, que vê maior movimentação no setor de cama, mesa e banho do que no de vestuário. As vendas de tecidos, vestuário e calçados cresceram 53,2% em junho.
O indicador de serviços, principal motor do PIB brasileiro, reforça as dúvidas sobre o ritmo de recuperação. Mesmo com crescimento de 5% em relação a maio, o volume de serviços no país ainda está perto do piso histórico. O banco Fator lembra que a recuperação desse setor tem forte influência sobre o emprego e a renda do brasileiro.
“A recuperação mais lenta do setor preocupa principalmente por seu peso no mercado de trabalho. Segundo o Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados], 47% dos empregos formais em janeiro estavam no setor.”
De acordo com o IBGE, o número de brasileiros sem nenhuma ocupação é recorde e, em maio, o contingente dos desocupados foi maior do que de ocupados pela primeira vez desde que o o início da pesquisa com o formato atual –situação que se repetiu em junho.
Para os economistas, a volta às compras mesmo com o mercado de trabalho em sua maior crise indica que o auxílio tem sido fundamental para aquecer a demanda.
“Se as transferências sociais forem reduzidas muito rápido em relação à recuperação do desemprego, podemos ver crescimento zero ou mesmo resultados piores no início de 2021”, avaliam os economistas do UBS, lembrando que o programa custa, em termos anualizados, 8,5% do PIB e tende a ser reduzido até o fim do ano.
“Tem aí uma questão de timing”, concorda o economista Reginaldo Nogueira, do Ibmec. “Ao retirar o recurso, haverá um grande risco de queda na economia.” Beneficiado pelos efeitos da transferência sobre a aprovação de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vem negociando uma prorrogação.
Nogueira vêm com maior otimismo os números do IBGE. Na sua opinião, apesar de indicarem um resultado negativo do PIB em 2020, eles mostram que a economia já saiu do fundo do poço. “Ficou claro que a gente não está em queda livre”, afirma, dizendo acreditar que o mercado de trabalho deve mostrar reação em breve também.
Ainda assim, pondera, qualquer previsão sobre o ritmo é prejudicada por incertezas em relação a um eventual repique no contágio.
“Parece que o pior já passou. Temos que considerar, claro, os riscos de uma segunda onda, mas a expectativa é que a gente comece a ter números melhores no segundo semestre.”