Por MARCELO RODRIGUES
Na terça-feira passada, 20 de agosto, a cota de recursos naturais que a natureza poderia oferecer em 2013 se esgotou. A data, inclusive, assinalou o Dia da Sobrecarga da Terra, marco anual de quando o consumo humano ultrapassa a capacidade de renovação do planeta. O cálculo foi divulgado pela Global Footprint Network (Rede Global da Pegada Ecológica), organização não governamental (ONG) parceira da rede WWF.
O levantamento compara a demanda sobre os recursos naturais empregados na produção de alimentos e o uso de matérias-primas com a capacidade da natureza de regeneração e de reciclagem dos resíduos, a chamada pegada ecológica (medida que contabiliza o impacto ambiental do homem sobre esses recursos). Em menos de oito meses, o consumo global exauriu tudo o que a natureza consegue repor em um ano e, entre setembro e dezembro, o planeta vai operar no vermelho, o que causa danos ao meio ambiente.
De acordo com a Global Footprint Network, à medida que se aumenta o consumo, cresce o débito ecológico, traduzido em redução de florestas, perda da biodiversidade, escassez de alimentos, diminuição da produtividade do solo e o acúmulo de gás carbônico na atmosfera. Essa sobrecarga acelera as mudanças climáticas e tem reflexos na economia.
Segundo os cálculos dessa contabilidade ambiental, a Terra está entrando “no vermelho da conta bancária da natureza” cada vez mais cedo. No ano passado, o Dia da Sobrecarga ocorreu em 22 de agosto. Em 2011, em 27 de setembro.
A humanidade vai pagar a conta desse consumo excessivo na forma de perda de qualidade de vida, de mais pobreza e doenças, caso não mude esse quadro. Esse ritmo de consumo no longo prazo vai culminar na exaustão dos recursos naturais. Estamos colocando nossa qualidade de vida e nosso futuro em risco. Se consumirmos em excesso a natureza, em algum momento vamos ter que pagar essa conta na forma de poluição, doenças, água menos disponível para nosso desenvolvimento e nosso uso, pobreza e falta de alimentos.
A sociedade precisa repensar seu estilo de vida. Nesse contexto, dizem, a educação e a informação são instrumentos importantes para uma mudança de valores. Cidadãos e governos têm papel fundamental na redução dos impactos do consumo sobre os recursos naturais. Políticas públicas voltadas para esse fim, como a oferta de um transporte público de qualidade e menos poluente, construção de ciclovias e o estímulo ao consumo responsável são essenciais para reduzir a pegada ecológica.
Nesse diapasão, as grandes cidades enfrentam congestionamentos cada vez maiores. São cerca de 45 milhões de veículos circulando diariamente nas ruas das cidades brasileiras, entre automóveis, caminhões, ônibus, motocicletas, segundo dados informados pelo Denatran. Os congestionamentos limitam um direito constitucional de todo cidadão, o direito de ir e vir. Estes problemas, além de causarem inúmeras complicações para os cidadãos comuns, ainda atrapalham os deslocamentos dos veículos de emergência, como ambulância e carro do Corpo de Bombeiros.
É dentro dessa perspectiva que percebemos a necessidade de reduzirmos os carros particulares e partirmos para um meio de transporte alternativo, ecoamigável, sustentável, saudável e barato. Vimos e assistimos a diversas pesquisas sobre como é muito melhor usar bicicleta em vez de carros ou ônibus, ou como elas ocupam muito menos espaço, sem contar nos seus outros inúmeros benefícios.
Com o intuito de estimular e possibilitar uma maior locomoção por intermédio da bicicleta, é necessário prover as cidades com características espaciais e de infraestrutura que sejam compatíveis com as reais características dos ciclistas. Isso requer uma reconfiguração dos sistemas viários atuais, os quais não facilitam em nada o uso da bicicleta no dia a dia, indicando a necessidade de redesenhar os espaç̧os urbanos e o modelo organizacional espacial.
É preciso encontrar uma forma de minimizar os malefícios causados pelo homem e buscar formas conscientes e sustentáveis de se locomover. Em meio a este cenário apocalíptico, a bicicleta surge como uma ótima alternativa para desafogar o trânsito das cidades.
Transporte ecologicamente correto foi conceituado como sendo os transportes que não colocam em perigo a saúde pública e dos ecossistemas. A ONU elegeu a bicicleta como meio de transporte ecologicamente mais sustentável para o planeta. Embora tenha recebido essa honraria, grande parte dos países não distribui a atenção necessária aos seus usuários.
Para que um modelo de mobilidade urbana sustentável seja implantado em uma cidade ou região, é necessário que todos os elementos que compõem o trânsito sejam avaliados e inseridos a viabilizar uma maior integração entre as pessoas e todas as formas de locomoção sustentável. Especialmente no caso da bicicleta, é necessário que se implante um modelo de infraestrutura cicloviário.
Vale lembrar que, além dos benefícios para a economia decorrentes da produção, comercialização e manutenção, impulsionados pelo baixo custo de aquisição, podemos listar a eficiência energética; pouca perturbação ambiental; contribuição à saúde do usuário; flexibilidade; equidade; rapidez e menor necessidade de espaço público.
A infraestrutura cicloviária é constituída por um conjunto de fatores e elementos que têm como objetivo maior garantir a segurança e o bem-estar dos usuários de bicicletas que utilizam este meio de locomoção pelas vias públicas de tráfego. Dentre eles podemos destacar as ciclovias, ciclofaixas, ciclorotas e espaço cicloviário (bicicletário).
A participação do poder público é de caráter fundamental para a implantação de um sistema viário eficaz e seguro em nosso país e em nossas cidades. Fazer em época de campanha eleitoral promessas eleitoreiras, e sem guardar as devidas proporções do ingresso do modal bicicleta no dia a dia da população sem os estudos prévios e devidos para sua integração como meio de transporte, mobilidade e melhoria da qualidade de vida do cidadão, é uma atitude irresponsável e sem compromisso com a saúde da população e com questões ambientais locais e planetárias.
Pela nossa lei, quando não houver ciclovia ou ciclofaixa, a via deve ser compartilhada (art. 58 do Código de Trânsito). Ou seja, bicicletas e carros podem e devem ocupar o mesmo espaço viário. Os veículos maiores devem prezar pela segurança dos menores (art. 29 § 2º), respeitando sua presença na via, seu direito de utilizá-lo e a distância mínima de 1,5 m ao ultrapassar as bicicletas (art. 201), diminuindo a velocidade ao fazer a ultrapassagem (art. 220 item XIII).
Essa é a lei, mas a falta de planejamento, desinteresse político pelo transporte coletivo de qualidade e uma educação cidadã são fatores determinantes para termos todos os problemas que estamos enfrentando no Brasil de uma forma geral, porque, ao invés de vermos a implementação de uma política de transporte coletivo para atender a demanda crescente de um país eminentemente urbano, que já tem 84% da população vivendo nas cidades, presenciamos a priorização do governo federal pelo transporte individual com todo tipo de incentivo, redução/extinção de impostos, financiamentos com prazos alongados e juros subsidiados, exatamente o oposto das diretrizes políticas propostas, bem como do que é praticado no resto do mundo.
Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente do Recife na gestão João da Costa (PT). É advogado e professor universitário.