Previdência pode deixar custo do piso básico para o bolso do trabalhador

Técnicos do ministério da Economia dão entrevista coletiva para detalhar o texto da proposta de reforma da Previdência

A equipe econômica do governo vem afirmando, nas discussões em audiências públicas na Câmara dos Deputados, que será adotada uma renda básica para aqueles que não conseguirem um benefício de pelo menos um salário-mínimo por meio da capitalização. No entanto, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 6/2019), que propõe a reforma da Previdência, não deixa claro quem vai pagar a despesa. De acordo com especialistas, ao afirmar que o piso básico será garantido por meio de “fundo solidário”, no item II do artigo 115, a PEC sugere que a conta pode ser paga pelo próprio trabalhador e não pelo Tesouro Nacional.

“Garantia de piso básico, não inferior ao salário-mínimo, para benefícios que substituam o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho, por meio de fundo solidário, organizado e financiado nos termos estabelecidos na lei complementar de que trata o art. 201-A da Constituição”, promete o texto.

De acordo com o matemático, especialista em previdência pela Fundação Getúlio Vargas, Luciano Fazio, fundos solidários são custeados por taxas recolhidas pelos gestores dos fundos de capitalização, ou seja, por uma lógica mutualista própria dos seguros, o que retiraria o governo da conta, nesta modalidade de previdência (de capitalização). O modelo atual, de repartição, é tripartite, ou seja, a conta da Previdência é dividida entre trabalhadores, patrões e governo.

Além disso, de acordo com o especialista, ao sugerir a “possibilidade de contribuições patronais e do trabalhador, dos entes federativos e do servidor, vedada a transferência de recursos públicos”, na diretriz VII do artigo 115, o texto do governo não deixa clara nem mesmo a contribuição do empregador. Por que não há obrigatoriedade, apenas possibilidade?, questiona o especialista. Por outro lado, segundo Fazio, o texto deixa mais claro que não deve haver contribuição do governo, já que a diretriz VII do mesmo artigo diz que é “vedada a transferência de recursos públicos”.

Segundo o presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Ricardo Marcondes Martins, o objetivo de fundos solidários mutualistas é que todos colaborem. A questão é como. “Não se sabe se será com recursos patronais ou do trabalhador. Ainda há muitas dúvidas e todos os detalhes foram jogados para lei complementar”, afirma.

Mercado

A PEC não detalha como será a capitalização, mas adianta que será na modalidade de contribuição definida. Martins explica que o mercado de planos de capitalização é muito heterogêneo. Para os fundos instituídos (por entidades de classe, sindicatos, etc), de contribuição definida, conforme prevê a PEC, a legislação vigente determina que as entidades gestoras são obrigadas a terceirizar o risco, pois não podem assumir um risco para o qual não houve capitalização. “É como em um seguro. Se o trabalhador morre, mas só contribui por seis meses, o benefício para a família dele será pago pelo fundo”, afirma Martins. Segundo ele, geralmente são feitos dois aportes: um para o salário capitalizado e outro, para bancar o fundo, ou seja, o seguro.

Na avaliação dele, o ideal é o trabalhador ter a opção de escolher que seguro quer contratar, de acordo com seu perfil. “Os riscos sociais do trabalhador são velhice, morte ou invalidez. Um trabalhador sem filhos, por exemplo, pode querer um seguro mais barato, que cubra apenas velhice e invalidez, por exemplo”, sugere. O valor do seguro, explica, é calculado de acordo com os aportes.

Para ele, o atual sistema de repartição não se sustenta, portanto, ele acha a introdução da modalidade de capitalização positiva. “Mas não dá para adotar a capitalização sem um pilar solidário, pois é o que garante o salário-mínimo para tirar as pessoas da extrema pobreza, diferente do que foi feito no Chile, por exemplo. Mas, tirar as pessoas da pobreza é papel do Estado, enquanto seguro social”, afirma.

Pilares

Para o professor sênior da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP) Hélio Zylberstajn, o governo precisa deixar clara na proposta a manutenção do pilar de repartição e que a renda básica será custeada pelo Tesouro e não pelo próprio trabalhador. Além de um pilar básico universal e outro de repartição, para o qual haveria contribuição do trabalhador, ele defende um pilar de capitalização compulsório e outro opcional.

O professor, que coordena o projeto Salariómetro da Fipe, sugere que o trabalhador possa utilizar o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para comprar cotas do plano de capitalização, de forma opcional. “Os dois primeiros pilares deveriam ser suficientes para repor 100% da renda dos trabalhadores com salário de até R$ 2.200, que representam 75% dos trabalhadores brasileiros.”, disse.

Para Zylberstajn, ao instituir um terceiro pilar compulsório de capitalização, e até um quarto opcional, o governo “reduz o apetite” de quem está no topo de avançar sobre o bolo da repartição. “No Brasil, o teto do benefício é muito alto. É mais do que dobro do que o salário médio do país. Um benefício não deveria ser mais alto do que a remuneração do trabalho”, opina. Para ele, aposentadorias acima do valor da renda média do trabalhador deveriam ser de responsabilidade do próprio trabalhador, por meio de poupança, e não do Tesouro.

O Banco Mundial recomenda a adoção de quatro pilares: um solidário universal bancado pelo Tesouro; um segundo de repartição; um terceiro de capitalização obrigatória, com contribuição definida; e um quarto, de capitalização opcional. A Secretaria de Previdência do Ministério da Economia não esclareceu quem vai custear o pilar solidário, de um salário-mínimo, da modalidade de Capitalização. De acordo com a assessoria de Comunicação da Secretaria, o pilar solidário vai valer apenas para quem optar pela capitalização e a forma de custear o fundo solidário será definida em Lei Complementar. A assessoria disse ainda que o sistema de repartição simples será mantido como é hoje, com aportes dos trabalhadores e empregadores e do governo, quando houver deficit.

“Não se sabe se será com recursos patronais ou do trabalhador. Ainda há muitas dúvidas e todos os detalhes foram jogados para lei complementar”.

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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