Do Congresso em Foco
Uma demonstração clara de insatisfação na base aliada quase retirou do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Moreira Franco, o direito ao foro especial por prerrogativa de função para autoridades federais, mais conhecido como foro privilegiado. Foi durante da votação, na noite da terça-feira (26), da Medida Provisória 782/2017, que altera a estrutura administrativa do Executivo e concede ao posto ocupado por Moreira Franco o status de ministério, conferindo ao titular o benefício de só ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF). A matéria, que foi aprovada com uma margem de apenas cinco votos, vai a votação no Senado (veja abaixo como cada deputado votou).
Com sete abstenções, a matéria foi aprovada por 203 deputados, com 198 votos registrados contra a medida provisória. Assinada em 31 de maio por Michel Temer, na esteira das notícias sobre as denúncias do Grupo JBS contra o peemedebistas e diversos outros políticos, entre eles Moreira Franco, a MP foi apontada como uma forma de o presidente proteger um de seus principais aliados, livrando-0 do julgamento em primeira instância – como se trata de processo relativo à Operação Lava Jato, Moreira poderia ser julgado por Sérgio Moro, responsável pela 13ª Vara da Justiça Federal, em Curitiba (PR).
Tanto Temer quanto Moreira, além do ministro Eliseu Padilha (Casa Civil), são alvos da segunda denúncia (leia aqui a íntegra) apresentada ao STF pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot envolvendo o presidente. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), a quadrilha peemedebista recebeu pelo menos R$ 587 milhões em propina nos últimos anos, e Temer sempre esteve no comando do esquema de corrupção.
O recado da base de sustentação, largamente majoritária, foi emitido às vésperas da votação sobre a continuidade dessas investigações, que enquadram Temer, Moreira e Eliseu por organização criminosa e ainda apontam o presidente como partícipe em esquema de obstrução de Justiça. A denúncia contra a cúpula governista começou a andar na Câmara apenas hoje (terça, 26), diante de um plenário esvaziado, depois de ter sido protocolada na Casa na última quinta-feira (21).
À frente da articulação política do governo, na figura do ministro e deputado licenciado Antonio Imbassahy (BA), o PSDB liberou a bancada de 45 deputados para votar livremente. A maioria dos tucanos, em um cenário de persistente racha interno no partido, votou contra Temer (19 votos a 11).
Além do PSDB, PV e PSD foram os outros partidos governistas que liberaram seus deputados na votação da medida. Depois que todos os deputados já haviam votado, o PSD alterou sua orientação de bancada no final da sessão plenária, favoravelmente à concessão de foro a Moreira. Mas em todos os partidos da base houve traição, inclusive no PMDB, em que seis votos foram registrados contra a MP.
Ministro por um dia
O caso do foro especial para Moreira Franco sempre remete àquele episódio em que, em 16 de março de 2016, às voltas com a cada vez mais provável cassação por impeachment, a então presidente Dilma Rousseff indicou para a Casa Civil o ex-presidente Lula, conferindo-lhe a prerrogativa de função com julgamento apenas no STF. Alvo de Sérgio Moro na primeira instância e sobre quem pesava ameaça de prisão, o cacique petista sequer pode exercer suas atividades no Palácio do Planalto, uma vez que o ministro Gilmar Mendes, do STF, expediu liminar anulando a nomeação – que seria concretizada em 17 de março – no dia seguinte ao ato presidencial.
No mesmo dia em que Dilma havia anunciado sua escolha, Moro divulga o polêmico áudio em que Dilma informa a Lula sobre o envio de um ofício de nomeação, a ser utilizado pelo petista “em caso de necessidade”. Para a Polícia Federal, tratava-se de uma estratégia para evitar que Lula, àquela altura ainda sem a prerrogativa de foro privilegiado, ficasse vulnerável a uma eventual ordem de prisão de Moro.
O juiz, aliás, foi acusado de ter infringido a lei tanto ao admitir as gravações no processo, mesmo o material tendo sido recolhido fora do horário de interceptação autorizado pelo próprio Moro, quanto a não remeter tais gravações ao STF, como determina a lei. A ação de Moro resultou em um puxão de orelha do então relator da Lava Jato, Teori Zavascki, morto em 19 de janeiro deste ano. Depois disso, Moro pediu desculpas formais ao Supremo pela divulgação indevida do material.
Estrutura sob encomenda
Antes da edição da MP 782, Moreira Franco era secretário-executivo do Programa de Parcerias em Investimentos (PPI), um cargo sem peso político, apesar da importância na recuperação da infraestrutura de transportes do país. Ele foi o coordenador do grupo de economistas que elaboraram o programa “Uma ponte para o futuro”, que marcou a dissidência de Temer em relação ao governo Dilma Rousseff, ainda em 2015. Entre outras funções administrativas, a Secretaria-Geral de Moreira vai abrigar a Secretaria de Comunicação.
A medida provisória – aprovada na forma de projeto de lei de conversão, uma vez que foi alterada – determinação também que a Secretaria de Aquicultura e Pesca seja vinculada à Presidência da República. Antes da edição da MP, que tem vigência imediata que precisa ser confirmada pelo Congresso, a secretaria era ligada ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento.
Um destaque apresentado pelo PT, aprovado graças a acordo com a base de sustentação, garantiu que a competência da demarcação de terras quilombolas seja mantida na Casa Civil. Segundo texto aprovado em comissão especial da Câmara, essa atribuição havia sido transferida para o Ministério dos Direitos Humanos, em uma inovação da gestão Temer muito criticada por entidades ligadas às comunidades tradicionais.
Além disso, a MP 782 extingue cargos e cria outros, sendo a quinta medida provisória editada para reformular a estrutura organizacional do governo desde 2015. Caso a matéria seja confirmada no Senado, reduzir-se-á os órgãos vinculados à Presidência da República, que passam a ser cinco: Casa Civil; Secretaria de Governo; Secretaria-Geral da PR; Gabinete Pessoal do Presidente da República; e Gabinete de Segurança Institucional.
Consumadas as fusões de algumas pastas, o texto fixa em 22 os ministérios em funcionamento e confere status de ministro, além do posto de Moreira Franco, a outras cinco autoridades da República: chefes da Casa Civil, da Secretaria de Governo, do Gabinete de Segurança Institucional, da advocacia-geral da União e do presidente do Banco Central.