Da Folhape
Das 360 espécies de peixes nativos que existiam na bacia do rio São Francisco, apenas 152 ainda são encontradas. E escassamente. O cenário alarmante é revelado por meio de um levantamento inédito divulgado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF). O estudo, que durou cerca de dois anos, aponta as áreas baixa e submédia da bacia do Velho Chico como as mais críticas.
A parte que corta Pernambuco está inserida justamente na submédia, num trecho que abrange os municípios de Petrolina, Belém do São Francisco, Cabrobó e Jatobá. Antes encontrados em abundância, lá não existem mais exemplares de mandi-bagre (Pimelodus spp), piaba (Astyanax bimaculatus), pacamão (Lophiosilurus alexandri), cascudo (Hypostomus affinis), cambeva (Trychomicterus brasiliensis), barrigudinho (Peocilia reticulata).
A lista é extensa. Até espécies endêmicas, como o pirá (Conorhynchos conirostris), conhecido como peixe símbolo do São Francisco, já não é mais visto nas redes dos pescadores artesanais. “É lamentável ver no que o Velho Chico se transformou ao longo dos últimos 50 anos. De todo os 637 mil quilômetros quadrados de extensão que a bacia abrange, as 152 espécies apenas podem ser vistas, e com dificuldade, no médio e alto do São Francisco. Falo de parte da Bahia e Minas Gerais. Porque, nas demais áreas (baixo e submédio), o rio está morto”, lamenta o vice-presidente do Comitê, Maciel Oliveira.
Embora não possa bater o martelo sobre os motivos do sumiço, aponta como possíveis fatores a interferência das hidrelétricas controlando a vazão da água, o despejo do esgoto in natura, a pesca predatória e o assoreamento. “O problema não é só ambiental. Estamos falando de mais de 50 mil pescadores que dependem desse rio para tirar o seu sustento.”
João dos Santos, 41 anos, é um desses pescadores artesanais. No ofício há 30 anos, hoje aposta em outras fontes de renda. “Tive que ser criativo, começar a construir embarcações e tecer redes de pesca. Dá um aperto no coração ver o Chico assim. Antes, num dia bom para a pesca, eu tirava 10 kg facilmente. Hoje, não pego a metade”.
Também na avaliação do biólogo Nelson Noveli, o cenário de desequilíbrio ecológico reflete a interferência humana. “Quando a oferta de peixes diminui, estamos falando de toda uma cadeia alimentar e reprodutiva que está sendo afetada. São peixes maiores que deixam de se alimentar dos menores. Deixam de se reproduzir a oferta para pescadores artesanais diminui. Nisso, supermercados e restaurantes deixam de ser abastecidos, ou seja, é um problema também socioeconômico”, analisa. Noveli lembra que o problema não é só do Chico. “É a realidade de vários manaciais do País. O Capibaribe é outro exemplo.”
O sumiço de mais da metade das espécies nativas em parte do rio, no entanto, não leva o Comitê a afirmar que elas foram extintas. Oliveira adiantou que um termo de cooperação está em processo de negociação com universidades para que um levantamento completo do rio seja feito na esperança de reencontrar os peixes da bacia. “Preferimos crer que eles sumiram apenas de parte do Chico. Um estudo detalhado deverá nos dar uma maior precisão”, acredita Oliveira.
Uma solução para reverter esse cenário, aponta o Comitê, seria se o projeto “Novo Chico”, do Ministério da Integração, saísse do papel. A proposta, apresentada em dezembro passado, prevê investimentos da ordem de R$ 900 milhões até 2019 em iniciativas prioritárias de conclusão das obras de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Seriam executados ainda serviços de requalificação de áreas degradadas e proteção de nascentes.
“Quando se recupera uma nascente estamos falando da recuperação de APPs (Áreas de Preservação Ambiental) de aquíferos e afluentes, que são passagens para reprodução de peixes. Infelizmente, nada virou realidade”, observa Oliveira. Procurado, o Governo Federal não se posicionou.