Folha de S.Paulo
A economia do mundo mudaria devagar. O Brasil teria algum tempo ao menos para fazer a limpeza grossa da bagunça da ruína da primeira metade da década. A eleição de Donald Trump abala esse prognóstico.
De mais importante e menos imprevisível, o que mudaria devagar? A oferta de dinheiro no mercado mundial, seu preço: as taxas de juros. Os planos econômicos menos implausíveis de Trump podem dar fim a quase uma década de juros quase zero nos países ricos.
Juros altos lá fora tendem a princípio a reduzir e encarecer o financiamento externo para países emergentes em geral, em especial aqueles com finanças em desordem, endividados demais, como o Brasil. Tendem a depreciar a moeda brasileira, a “encarecer o dólar”. Tudo mais constante, dificulta um pouco mais o controle da inflação.
Em tese. Não é uma camisa de força. Não é um trilho inevitável para os acontecimentos no Brasil. Nosso rolo é, na maior parte, doméstico. Mesmo os antídotos para as prováveis reviravoltas na economia mundial podem ser fabricados aqui, afora no caso de mordidas de cobras gigantes, solavancos graves ou catástrofes mundiais.
Ainda assim, a reviravolta dificulta o trabalho de reconstrução, cria mais risco, deve exigir mais disciplina. Trump deve provocar a reviravolta primeiro porque seu plano menos implausível de governo implica elevação do deficit dos EUA.
Como se dizia nesta quinta (10) aqui nestas colunas, o Orçamento do futuro presidente dos Estados Unidos deve propor mais gastos em obras de infraestrutura, talvez em defesa, cortes imensos de impostos e nenhuma mexida para baixo nas grandes despesas obrigatórias (Previdência, saúde).
Em suma, trata-se de um programa de estímulo ao crescimento econômico baseado em aumento de gasto, de deficit.
Em uma economia com baixo desemprego, mesmo com tanto trabalho precário, tais medidas devem provocar um aumento da inflação, ora em nível perigosamente baixo. Isso tende a provocar uma alta de juros mais acelerada do que a prevista até agora, no prognóstico “mundo muda devagar”.
Mais gastos devem levar o banco central americano, o Fed, a reduzir o despejo de dinheiro barato na economia. Governos europeus começam também a cogitar alta de gastos, dada a anemia catatônica de suas economias. Em março do ano que vem, também o Banco Central Europeu deve apertar a oferta de dinheiro.
Segundo a especulação quase geral, teórica e também nos mercados, como tem se visto nestes dois dias, o mundo financeiro da última década começaria a ser virado do avesso: menos estímulo de banco central, na verdade esgotado, mais estímulo fiscal, gasto.
Se vai mesmo acontecer, isso depende dos arranjos de Trump, do Congresso republicano, da elite econômica americana. Baita incógnita.
Há hipóteses ainda mais incalculáveis. Trump vai mesmo provocar uma convulsão no comércio mundial, tornando a economia americana menos aberta? A vitória de Trump vai inspirar e fortalecer o variantes de trumpismo nas eleições europeias, criando pelo menos mais incerteza na política mundial? Incerteza leva a atividade econômica e o investimento para a retranca.
Em suma, para o Brasil, ficou um tanto mais difícil.