OPINIÃO: Sou racionalmente contra a redução da maioridade penal

Por DANIEL FINIZOLA*

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aceitou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 171/93) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Partidos como PSDB e DEM seguiram sua tradição conservadora: os seus deputados votaram a favor da PEC. Em meio à discussão, o deputado Felipe Maia, do DEM, afirmou que esse seria um grande passo na redução da violência no Brasil. Será?

Para juristas como Dalmo Dallari, o artigo 228 da Constituição Federal, que fala sobre a inimputabilidade penal dos menores de 18 anos, é uma cláusula pétrea – portanto, só uma Constituinte poderia alterá-la. Mas há muitos outros argumentos além dos jurídicos e constitucionais para se opor à redução da maioridade penal.

É preciso entender porque uma parcela significativa da sociedade brasileira defende a redução da maioridade. A gênese desse fenômeno pode estar na forma como a mídia constrói as notícias dos atos ilícitos praticados por menores, algo que influencia diretamente a construção do senso comum. De modo geral, as matérias são sensacionalistas e, muitas vezes, passam a ideia de que a violência no Brasil está diretamente ligada aos atos praticados por menores. É a fórmula do jornalismo que faz da notícia uma mercadoria, não um instrumento de reflexão social, modelo onde facilmente se confunde justiça com vingança. Raramente os jornais analisam os motivos pelos quais nossa juventude está nas ruas envolvida com o crime. Não há um debate de como prevenir a violência, mas uma massificação da ideia de que colocar jovens na cadeia é a solução para reduzir a violência no Brasil.

Há vários estudos que comprovam que a adoção de medidas punitivas e repressivas não reduzem os índices de violência, ainda mais em se tratando de jovens. Nos EUA, país que tem um sistema carcerário bem diferente do nosso, aplicaram-se medidas punitivas previstas contra adultos a adolescentes e o resultado foi desastroso. A grande maioria dos jovens libertos voltou a delinquir com mais violência. Mas será que os deputados defensores da redução da maioridade têm noção desses dados? Será que eles sabem que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê medidas socioeducativas para pessoas acima de 12 anos de idade que incluem a restrição de liberdade? Será que eles sabem que educar é melhor e mais eficiente que punir? É trágico ver que nossos deputados não estão preocupados em fazer esses questionamentos, estão preocupados apenas com os efeitos e não com a causa da violência.

Temos a quarta maior população carcerária do mundo, perdendo apenas para EUA, China e Rússia. Ainda assim, temos um déficit de pelo menos 181 mil vagas nos presídios, ou seja, há uma falência total do sistema carcerário brasileiro e eu não vi nenhum desses deputados falar em reforma do sistema prisional brasileiro. Pergunto: como esses deputados imaginam que nossa juventude vai sair dos presídios? Para quem esses senhores estão legislando?

Ao defenderem a redução da maioridade penal, os deputados assinam seu atestado de incompetência, pois, em vez de disputar essas vidas que o crime vem ganhando e articular políticas públicas para a juventude, preferem colocar nossos adolescentes na invisibilidade de nossas prisões. A onda conservadora que toma o Congresso tem visão social curta e está colocando menores como bodes expiatórios de um problema cuja raiz está na desigualdade social e na falta de estrutura educacional e familiar.

Nossos jovens precisam de arte, cultura, espaços de lazer e convivência. Uma educação que vá além das notas e do conteudismo que deixam nossas escolas pouco atrativas. Nossos adolescentes não necessitam de cadeia, mas de políticas que incluam socialmente os meninos e meninas da periferia, os que mais sofrem e são cooptados pela violência das ruas.

Seria mais digno, republicano (e constitucional) que os deputados concentrassem esforços para colocar nossos jovens nas escolas, não na cadeia.

*Daniel Finizola é educador, artista e vice-presidente do PT de Caruaru

Post atualizado dia 08/04, às 8h51.

Opinião: O PT fica

Por Daniel Finizola

Os números apontam que essa foi a eleições mais disputadas desde a redemocratização. Muitas acusações, denuncias de corrupção de ambos os lados e uma guerra midiática sem igual. As redes sociais viraram terra sem lei. De tudo se falava, pouco de comprovava, muito ódio se disseminava e poucas propostas fluíam. Infelizmente esse foi o tom de boa parte da eleição.

Mais uma vez os projetos do PT e PSDB foram comparados, criticados e elogiados por boa parte da população. Os debates foram marcados pela disputada da paternidade dos programas sociais que contribuíram para erradicar a fome do Brasil. É bom lembrar que durante muito tempo o PSDB e sua militância criticou abertamente tais programas, afirmando que era esmola e tinha um caráter eleitoral. Eis que próximo ao início do pleito presidencial o Senador Aécio Neves também vira o grande defensor do Bolsa Família. Ora, por que será?

Curioso é perceber que boa parte dos eleitores de Aécio também são contra os programas sociais. Estão ligados, na sua maioria, a valores meritocráticos, esquecendo de analisar a história e as desigualdades de nosso país. Quem nunca ouviu comentário do tipo: “Bolsa família deixa o povo acomodado, ninguém quer mais trabalhar” Ai pergunto: Se agora o Aécio é um grande defensor de programas que provocaram essa “acomodação” na população mais humilde, em qual projeto político esse grupo de eleitores de Aécio votou? Cada vez fica mais claro que o projeto dessa turma é aquele que se traduz em uma expressão niilista que diz: “Fora PT”. É, mas democraticamente o povo brasileiro decidiu – “Fica PT”.

Em Pernambuco, muito se falou nas redes sociais sobre o fato do PT não ter eleito deputados federais, aparecendo a expressão: “Pernambuco disse não ao PT”. Será!? Quem afirmou isso pouco sentiu e entendeu as variáveis do processo eleitoral e suas consequências em Pernambuco. Sem dúvida a votação da majoritária contribuiu para esse resultado. No último dia 21 Recife mostrou o vigar que o PT tem no estado, traduzindo-se em mais de 70% dos votos nas urnas, ou seja, a população pernambucana decidiu  – “Fica PT”.

Em Caruaru a campanha no segundo turno tomou ares como há muito não se via. Pessoas procurando material de campanha, participando das plenárias, fazendo a militância voluntária nas praças e nas ruas, por sentir e acreditar em um projeto que mudou o Brasil nos últimos doze anos. Ao longo da campanha nas redes sociais e nas plenárias no comitê, escutei várias vezes a frase: “quero me filiar ao PT”. Afirmo que o PT Caruaru deseja e precisa da contribuição de cada cidadão e cidadã caruaruense. Queremos constituir grupos que possam estudar e entender quais os desafios de nossa cidade no campo e na zona urbana. Implantar cada vez mais políticas de inclusão e participação social.

Como vice-presidente do PT Caruaru, quero a agradecer a todas e todos que tomaram as ruas e praças de Caruaru com uma campanha bonita e voluntária. Agora vamos fazer nossa parte! Cobrar, fiscalizar e participar. Vamos tornar esse governo cada vez mais popular.

A eleição mostrou que as grande forças políticas de nossa cidade não estão em sintonia com a vontade popular. Mais de 50% dos votos em Caruaru foram pra Dilma, ou seja, Caruaru também decidiu – “Fica PT”.

O Partido os Trabalhadores em Caruaru vêm acumulando novos quadros e dirigentes. Essa eleição mostrou que a militância petista está viva e não precisa ser filiado ao carregar uma estrela no peito, mas é preciso planejar e  acreditar que podemos fazer mais e melhor por nossa cidade.

Que venha 2016.

Daniel Finizola é Vice-Presidente do PT Caruaru.      

Opinião: A rotação

Por Daniel Finizola

Há quem diga que  ela é a representação do silêncio e da tranquilidade. Para outros ela é sinônimo de inspiração, festa, alegria e liberdade. Nas grandes cidades a noite revela prazeres, desejos, mentiras  que o dia costuma esconder. Há pessoas que se mimetizam, incorporando um noctívago voraz, capaz de enfrentar e libertar todas as vontades, mitos e temores que a cultura da noite produziu.

Aquela zumbindo de vento que rasga o oco do mundo sempre ganha outra conotação quando a rotação nos coloca na escuridão. Cada Lâmpada vira um simulacro de sol capaz de produzir calor e penumbra. O céu releva seus distantes pontos brilhantes. Os anfíbios cantam pra acasalar. A coruja arma seu olhar de lince. O feérico aguça a imaginação.

A noite é poética, amorosa, confortante e confortável. Ao mesmo tempo que releva o “dark side” que reside em muitos de nós. Não que isso seja  necessariamente ruim, mas corresponde aquela porção do nosso eu que teme em se revelar ao dia. Prefere seguir regras e modelos que são alimentadas pela luz natural.

Cada vez mais o dia nos coloca em uma velocidade que parece está além da nossa natureza. É como se perdêssemos a noção dos nossos limites biológicos e nos equiparássemos a uma máquinas frenéticas de números, ambições e conquistas que normalmente gera pouca felicidade e muitos resultados. Nesse contexto os dias vão ficando curtos para tantas tarefas e é cada vez mais comum escutar aquela frase “como eu queria que o dia tivesse 48 horas”.

A consequência de tudo isso é que o dia virou sinônimo de castigo. Colocamos persianas, cortinas, cartolina preta na janela pra afugentar o que a rotação insiste em nos trazer apos cada noite de alegria, diversão, frio, solidão, drogas, paqueras ou descanso. Não tem jeito. Dia e noite são irmãos, cúmplices, filhos de um mesmo movimento. Dois lados na mesma moeda. Há quem prefira o dia com suas dores e hipocrisias. Há quem prefira a noite com seus perigos e mistérios.

E você, prefere o quê?

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

Opinião: A rotação

Por Daniel Finizola

Há quem diga que  ela é a representação do silêncio e da tranquilidade. Para outros ela é sinônimo de inspiração, festa, alegria e liberdade. Nas grandes cidades a noite revela prazeres, desejos, mentiras  que o dia costuma esconder. Há pessoas que se mimetizam, incorporando um noctívago voraz, capaz de enfrentar e libertar todas as vontades, mitos e temores que a cultura da noite produziu.

Aquela zumbindo de vento que rasga o oco do mundo sempre ganha outra conotação quando a rotação nos coloca na escuridão. Cada Lâmpada vira um simulacro de sol capaz de produzir calor e penumbra. O céu releva seus distantes pontos brilhantes. Os anfíbios cantam pra acasalar. A coruja arma seu olhar de lince. O feérico aguça a imaginação.

A noite é poética, amorosa, confortante e confortável. Ao mesmo tempo que releva o “dark side” que reside em muitos de nós. Não que isso seja  necessariamente ruim, mas corresponde aquela porção do nosso eu que teme em se revelar ao dia. Prefere seguir regras e modelos que são alimentadas pela luz natural.

Cada vez mais o dia nos coloca em uma velocidade que parece está além da nossa natureza. É como se perdêssemos a noção dos nossos limites biológicos e nos equiparássemos a uma máquinas frenéticas de números, ambições e conquistas que normalmente gera pouca felicidade e muitos resultados. Nesse contexto os dias vão ficando curtos para tantas tarefas e é cada vez mais comum escutar aquela frase “como eu queria que o dia tivesse 48 horas”.

A consequência de tudo isso é que o dia virou sinônimo de castigo. Colocamos persianas, cortinas, cartolina preta na janela pra afugentar o que a rotação insiste em nos trazer apos cada noite de alegria, diversão, frio, solidão, drogas, paqueras ou descanso. Não tem jeito. Dia e noite são irmãos, cumplicies, filhos de um mesmo movimento. Dois lados na mesma moeda. Há quem prefira o dia com suas dores e hipocrisias. Há quem prefira a noite com seus perigos e mistérios.

E você, prefere o quê?

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

Opinião: Anfitrião 2014

danielPor Daniel Finizola

Após o sucesso do Projeto Anfitrião em 2013, chegou a hora da temporada 2014. Posso dizer orgulho que essa coluna nasceu falando sobre projeto e de onde surgiu a ideia de convergir vários artistas no palco. Tudo começa com o convite do artistas anfitrião que tem por objetivo promover a troca de sensibilidades musicais e distribuir boas sensações para todos quem vão ver os shows.

Ano passado Almério, Valdir Santos, Pablo Patriota, Carlinhos e PC foram os anfitriões. Convidaram vários outros artistas da cena local para dividir o palco. Rogéria, Bira, Germana, Marconiel, Gabi da Pela Preta foram alguns dos artistas convidados pelos anfitriões na primeira temporada. Agora o projeto busca fazer  intercambios que vai além dos limites geográficos do País de Caruaru. Para a primeira edição de 2014 teremos a Bandavoou.

Pra quem não conhece o grupo foi formado em 2011 na cidade do Recife e já passou por grandes palcos brasileiros como o lendário Circo Voador,  além de apresentações no Uruguai. Confesso que sou um fã da banda desde a primeira vez que vi o clipe da música “Cavala Marinha”. Nesse música você encontra a sensibilidade e sutileza de uma geração da música brasileira que está cada vez mais na contramão dos rótulos e de braços dados com a criatividade. Formada por Carlos Filho, PC Silva, Luiza Magalhães e Marina Sobral, a Bandavoou será a anfitriã da primeira edição de 2014 e convidará o também pernambucano Jean Ramos.

Natural de Jatobá, o cantor, compositor e violonista Jean Ramos e filho da diversidade étnica que semeou o Brasil. Sua mãe é índia e o seu DNA musical traz as batidas do povo Pankararu além de influências da música negra. Jean tem mais de 10 anos de carreira e já mostrou seu talento para várias cidades do Brasil, como Rio de Janeiro, Florianópolis e Brasília. Em 2001 o artista grava seu primeiro EP, mas é em 2007 que chega seu primeiro CD, intitulado “Por um Segundo”. 2011 foi a vez do álbum “Trajetória” que também resultou na gravação de um DVD.

O Projeto Anfitrião é uma dessas iniciativas que me deixa orgulhoso de participar. Feito por gente que entende as dimensões e as possibilidades do atual mercado fonográfico independente. Antenados em conceitos como economia criativa e cooperativismo. Sempre procurando formar um público e usando a internet e as mídias alternativas como instrumento de divulgação. Esse é caminho!

Portando, não perca. Dia 25 de julho no teatro no SESC às 20 horas. Bandavoou e Jean Ramos abrindo a temporada 2014 do Projeto Anfitrião. Ah! Pode aguardar. Esse ano ainda teremos muitas surpresas no Anfitrião.

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

Opinião: Unir para transformar

Por Daniel Finizola

Coletivos. Esse nome vem se multiplicando por todo país junto a homens, mulheres e jovens que têm interesse em mudar a realidade do contexto no qual estão inseridos. Constantemente, vemos nas redes sociais páginas e blogs que se dispõem a debater algo de interesse coletivo. Há muitas virtudes sociais nessa construção.

Apesar da demonização que temos hoje da política partidária no Brasil, é importante perceber que os coletivos são constituídos de ações políticas, pois envolvem diálogo, relações, metas, propõem debates e amplificam a voz de uma determinada comunidade.

De modo geral, os coletivos estão relacionados com conceitos como economia solidária e gestão compartilhada, fundamental para a organização desses grupos. De modo geral, essas organizações fogem do modelo tradicional de administração, cujas deliberações seguem uma lógica hierárquica.

Normalmente, o processo é de autogestão compartilhada, onde  as decisões acontecem por meio de colegiados. Mas o êxito de uma organização como essa passa pela adesão dos seus membros de forma livre, consciente, esclarecida e sobre tudo participativa.

Caruaru vem dando passos significativos na constituição de coletivos cada vez mais atuantes. O Coletivo Cine Club do Alto do Moura sempre traz debates acerca dos filmes que são exibidos para a comunidade. O coletivo Meio de Rua fez uma ótima cobertura do festival Agreste in Rock. Também organizou eventos com êxito na cidade. Mas um coletivo, em especial, me chamou a atenção nos últimos dias: Lombrare, esse é o nome!

Em uma dessas manhãs de domingo, saí pra comprar o jornal e me deparei com uma imagem com os seguintes dizeres: “valorize sua cultura”. A imagem era uma xilogravura que fazia referência ao mestre J. Borges. Logo depois, descobri que o coletivo tem uma conta no Instagram e prontamente passei a segui-los. O último trabalho do grupo que me chamou a atenção foi uma gravura que fazia referência ao homem vitruviano de Da Vinci. Não conheço a rapaziada que faz o trabalho, mas digo logo que sou um fã do coletivo!

Acredito que aos poucos, por um necessidade orgânica, esses coletivos devam ocupar espaços institucionais públicos para debater a cultura de Caruaru. O Conselho de Cultura da cidade foi constituído e precisa começar a se reunir para discutir ações e possibilidades com o ímpeto de fortalecer a cultura e a economia criativa de nossa cidade.

Há alguns anos, Francisco de Assis França cantava “O homem coletivo sente a necessidade de lutar.”

Então, vamos à luta! Vamos convergir ideias e articular os coletivos de Caruaru. Tenho certeza que isso pode render bons frutos pra cidade.

@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br

OPINIÃO: Chegou o mês de junho!

Por DANIEL FINIZOLA

Se analisarmos as origens de Caruaru, veremos que a conexão entre o rural e urbano foi fundamental na construção de aspectos marcantes da nossa cultura. Vamos lembrar que o ciclo junino começa no dia de São José. O agricultor conforta a semente de milho no solo esperando a chuva. À noite, o homem do campo admira a fogueira que arde na frente da casa. Os olhos encantados pelas chamas brilham sonhando com a colheita do milho que vai virar canjica, pamonha, mungunzá.

Quando junho chega, é hora de colher. Levar pra Feira de Caruaru o fruto de muito trabalho e prece. O diálogo entre a zona rural e urbana sempre teve a feira como ponto de convergência. Além do milho, é na feira que encontramos os fogos da meninada, o vestido matuto, o pé de moleque. É como se, em junho, as cidades do Nordeste ficassem mais rurais e brejeiras, abraçadas pela chuva e pelo frio.

Santo Antônio inaugura os festejos alimentando o sonho das meninas. Faca no tronco da bananeira, pingo de vela na água, vale tudo pra achar a tampa certa da sua chaleira. Para os corações que já acharam seu par, é tempo de trocar presentes, dançar um forró pegado, namorar, renovar os votos de carinho, amizade e amor.

Logo depois, vem o santo quente da festa. Aquele que, segundo a música, bateu um papo com São José pra mandar a chuva que vai gerar 20 espigas de milho em cada pé, lembra? Essa é a noite em que as fogueiras ganham as ruas. Os mais velhos esperam a lenha queimar pra descascar o milho e aproveitar a brasa. A meninada afoita puxa logo um tição pra acender o traque de sala, a chuvinha, o “musquito”, o vulcão e a tão temida bomba – aquela que a vizinhança adora!

Lá pelo finzinho do mês, vem São Pedro. Esse tem a chave do céu nas mãos. Foi o primeiro papa da Igreja, mas hoje o que ele consegue mesmo é deixar muita saudade do período que marca as manifestações mais telúricas do Nordeste, onde o religioso e o profano se confundem, constituindo os símbolos que marcam a religiosidade e a cultura nordestina.

Infelizmente, muitas das cenas que descrevemos estão ficando cada vez mais raras. As cidades do interior do Nordeste estão ganhando cada vez mais importância econômica, social e política. O progresso vai conectando os lugares, deixando os seus cidadãos à mercê da globalização, que geralmente impõe mais que dialoga, pondo em xeque as suas identidades locais. Não há nada de errado na troca cultural, mas é preciso identificar a natureza dessas relações e analisar quais as consequências que ela pode gerar.

Até semana que vem!

daniel finizola

 

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OPINIÃO: A política e a cibercultura

Por DANIEL FINIZOLA

Ao analisar os movimentos que vêm acontecendo no Brasil e no mundo, percebemos que há uma crise de paradigma quanto ao sistema de representatividade política. Cada vez mais, se questiona a função e ação dos políticos e seus partidos. A eleição para o Parlamento Europeu amargou altos índices de abstenção: mais um exemplo de que a crise de representação política não é algo exclusivo do Brasil. O mesmo aconteceu recentemente com as eleições na Colômbia, onde o índice de abstenção chegou a 59,98%, segundo o site América Econômica.

Aos poucos, o mundo percebeu que os espaços virtuais como Facebook e Twitter podem incitar, de forma positiva, o debate político. Afinal de contas, no mundo virtual, ultrapassamos as barreiras da sociedade de massa, visto que existe a interação, certo? Mas me parece que as redes sociais não conseguiram quebrar o predomínio da informação sobre a comunicação.

Em tempos de eleição, Copa e crise de representatividade política, o mundo virtual virou um espaço onde se replica de tudo. Problema é replicar sem checar a informação e a quem servem determinadas bandeiras na internet. Hoje, o que temos no mundo virtual é um ciclo vicioso, onde os indivíduos procuram seus pares para inflar suas crenças com debates pobres e pouco fundamentados. Esse é o homem-massa da cibercultura, que este ano poderá ser responsável pelo debate eleitoral mais vazio da história das eleições no país.

É nesse contexto que uma página merece destaque na internet. Segue uma linha cômica, mas não dispensa uma panfletagem apócrifa e publicações mentirosas. Com cerca de 3,5 milhões de seguidores e alcançando 27 milhões de usuários no Facebook, a TV Revolta tem preferência política e ideológica clara, mas adora posar de “apolítica”. O responsável por esse fenômeno da rede é um radialista, João Victor Almeida Lins, de 32 anos. Mas aí eu pergunto: ser cidadão e fazer oposição ao governo significa compartilhar frases mentirosas? Não seria melhor pensar e debater um projeto de sociedade e país? Ou será que essas frases mentirosas produzidas pela TV Revolta fazem parte do projeto de governo da oposição? São essas as frases que representam os revoltados com a política?

Uma das postagens mais curtidas da TV Revolta atribuída a Oscar Niemeyer dizia: “Projetar Brasília para os políticos que vocês colocaram lá foi como criar um lindo vaso de flores pra vocês usarem como pinico”. Mas onde está registrada essa declaração do arquiteto? Pior é que essa postagem obteve 22.318 compartilhamentos. Protestar contra a situação política do país significa reproduzir frases de impacto mentirosas?

Somos um país com 105 milhões de brasileiros com acesso à internet, mecanismo fantástico que pode ser utilizado para fortalecer valores democráticos e republicanos como controle social e transparência. Fenômenos da cibercultura, como a TV Revolta, nos leva a um niilismo político irresponsável que não contribui para fortalecer valores democráticos. Importante: a liberdade de expressão, tão aclamada pela democracia, exige responsabilidade.

Até semana que vem.

daniel finizola

 

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OPINIÃO: Nos tempos de criança

Por DANIEL FINIZOLA

Os raios de sol, aos poucos, iam atravessando as frestas das telhas. A luz começava a riscar o piso e lá fora o som das pessoas acordava o dia. O homem do leite passava na CG vermelha trazendo a delícia do campo que sempre era multiplicada ao chegar na cidade. Bastava um pouquinho de água. A porta da mercearia, ao rolar para cima, despertava os vizinhos que não tardavam em comprar o pão. Aos poucos, as ruas eram tomadas por meninos e meninas que exercitavam sua ludicidade nos terrenos esquecidos, cheios de mato e terra.

As brincadeiras tinham épocas. Ora era finca, jogo perigoso onde se roubava a faca lá na cozinha da avó. Desenhava-se uma figura geométrica no chão de terra e de cada ponta da figura saía a linha do jogador. Com força e destreza, jogava-se a faca para cravá-la no chão. A cada ponto cravado, riscava-se uma semirreta ligando os pontos. Objeto: fechar o outro jogador até que ele não tivesse mais espaço para sair do emaranhado de retas que iam se constituindo. Essa brincadeira acertou e cortou a canela de muita gente.

Em outro momento, era o pião. Riscávamos o “oi de boi” (um círculo) no chão, colocávamos um pião na roda e, com outro pião, tentávamos acertar e retirá-lo do “oi de boi”. Quem conseguisse ficava com o pião. Mas a grande emoção estava em ver um pião na roda se partir ao meio com a pancada. O autor do feito ganhava respeito do grupo.

Quando o assunto era pipa, a coisa complicava. Era preciso tala pra fazer a pipa. Todos se penduravam nos coqueiros atrás das folhas para retirar a tala e montar a estrutura da pipa. Depois vinha a busca pela seda. Muitas mercearias de bairro já vendiam seda para pipa – em outros casos, se resolvia com a seda que vinha enrolada no sapato. A rabeta da pipa se resolvia com as bolsas plásticas de supermercado. Mas aí vem a parte perigosa e condenável: o cerol! Todos corriam para o lixo a fim de procurar uma lâmpada queimada pra quebrar e misturar com cola. Tudo pra derrubar mais fácil na “torança” a pipa do amigo. Boa mesmo era a carreira que todo mundo dava para pegar a pipa que perdia a disputa… Era um troféu que, normalmente, o autor do feito não ficava. Ainda tinha a crença de não poder soltar pipa à noite. Segundo minha avó, pipa que visitasse o céu durante a noite traria doença. Não entrava em casa e precisava ser destruída.

Mas tinha uma brincadeira de vocabulário peculiar, onde qualquer ação precisa de um grito. Expressões como “bate seu”, “carioquinha”, “tudo sujo” e “tudo limpo” eram comuns para um jogador de bola de gude. O grande desafio era retirar o maior número de bolas do “tria” (nome que dávamos ao triângulo onde “casávamos” as bolas). O jogador temido sempre entrava no jogo com uma ferrança: bola de metal retirada do rolimã.

Ainda tinham brincadeiras como “tocou, gelou”, “esconde-esconde”, “academia”, “tô no poço”, “queimada”, “barra-bandeira”, “elefante colorido” e tanta outras.

As novas estruturas urbanas e a popularização da tecnologia deixaram a diversão infantil cada vez mais solitária, carente de sorriso, suor e energia física. Mas… como serão esses adultos?

Até semana que vem.

daniel finizola

 

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OPINIÃO: ‘A Peleja do Diabo com o Dono do Céu’

Por DANIEL FINIZOLA

Vou dar sequência à análise de discos emblemáticos da música brasileira. Anteriormente falamos sobre a famosa “Tábua de Esmeraldas”, do Jorge Ben. Hoje vamos falar de um artista de voz inconfundível que traz “no seu alforge” letras místicas cheias de metáforas e sons sombrios. Ao mesmo tempo mistura frevo, baião e baladas com a singularidade que marcou sua carreia. Ele veio de uma geração que rendeu bons frutos para a música nordestina, notabilizando-se por uma musicalidade que conectou o Nordeste e suas características com o universo musical dos anos 70. Não é à toa que muitos o comparam com figuras como Bob Dylan.

Mas vamos fazer um recorte na carreira de Zé Ramalho com disco que considero fundamental para entender um pouco do universo musical desse paraibano. O nome já intriga: “A Peleja do Diabo com o Dono do Céu” Esse é o título do seu segundo disco. Foi gravado em 1979 no estúdio de 8 canais da C.B.S, na cidade do Rio de Janeiro, lugar que acolheu muitos nordestinos que foram em busca de oportunidades artísticas, como Alceu Valença e Elba Ramalho.

O disco conta com sucessos emblemáticos na carreira do artista, como “Garoto de Aluguel” e “Admirável Gado Novo”, música que, curiosamente, passou pela censura da ditadura militar.

A obra também aponta toda uma interação com a cena política e artística da época. “Falas do Povo”, terceira faixa do disco, foi dedicada a Geraldo Vandré, artista que compôs uma das músicas-símbolo contra a ditadura militar. “Agônico”, música instrumental batizada por Jorge Mautner, onde Zé Ramalho executa todos os instrumentos. “Monte das Amplidões”, baião cheio de cadência e discurso místico.

Participações rechearam o disco de sensibilidade e genialidade. “Beira do Mar”, por exemplo, tem o violão de 12 cordas executado pelo virtuoso Geraldo Azevedo. “Jardim das Acácias”, uma das minhas preferidas, tem a assinatura de Pepeu Gomes nas guitarras. Não podemos deixar de destacar os arranjos de corda e metais de Paulo Machado, algo que fez o trabalho dialogar com o universo erudito sem perder o caráter popular.

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A ideia da capa é do próprio Zé Ramalho, e brinca com o imaginário do título do disco. Tem participação especial de figuras como José Mujica Martins, o famoso Zé do Caixão, e o grande artista plástico Hélio Oiticica, ou seja, só tem fera na concepção da obra.

A última música do disco é um frevo de bloco cheio de metais que acabou virando um clássico da música nordestina. Porém, o arranjo que caiu no gosto popular não foi o que Zé Ramalho fez para esse disco, mas o que Amelinha apresentou em um dos seus trabalhos. A música ganhou velocidade e virou um arrasta-pé que não pode faltar no repertório de nenhuma banda que se dispõe a animar o salão. Quem nunca dançou ou escutou a música “Frevo Mulher” no São João? Aqueles acordes inicias são inconfundíveis, não é mesmo?

A “Peleja do Diabo com o Dono do Céu” é, sem dúvida, um trabalho que deu grandes contribuições para a música nordestina e brasileira. Esse tem lugar especial na minha discoteca.

Até semana que vem.

daniel finizola

 

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