“Temer representa o patrão, não o trabalhador”, afirma economista

Empossado não mais como interino, mas como o mais novo presidente da República, Michel Temer (PMDB), já se mostrou propenso a aplicar várias mudanças no sistema econômico do país com a intenção, segundo os seus aliados, de reorganizá-lo. No intuito de deixar os seus leitores por dentro de tudo, o Jornal VANGUARDA traz nesta edição uma entrevista com o seu colunista e especialista em Economia, o também professor Maurício Assuero. Com uma linguagem simples e objetiva, ele analisou especialmente para o semanário os impactos que a reforma da Previdência deverão ocasionar bem como sobre as interferências do novo governo em programas populares como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida.

Pedro Augusto

Jornal Vanguarda —- Os aliados do governo Temer vêm afirmando de forma categórica que as medidas que já estão em curso e que ainda estão por vir possuem como principal objetivo reorganizar a economia do país. No âmbito geral, de que forma o senhor vem avaliando esse pacote de ações?
Maurício Assuero – É uma forma de justificar as medidas impopulares que o governo precisa implementar. Não vai ser fácil arrumar a economia sem arrumar as contas públicas e não tem como cobrir um déficit orçamentário de R$ 140 bilhões sem cortar despesas, cortar investimentos, aumentar impostos e privatizar. Tudo isso mexe de forma negativa com a sociedade. O governo Dilma tentou algumas coisas e, por exemplo, a mexida no seguro desemprego chegou numa hora terrível para o trabalhador. Hoje fica a impressão de que isso só passou porque o pessoal queria que a culpa ficasse com ela. Veja que as propostas de Temer, pelo menos as conhecidas, tratam de aprovar uma meta para os gastos, mas isso é apenas um paliativo porque os gastos aumentariam de acordo com a inflação e se houvesse realmente preocupação com o rigor orçamentário deveria ser ao contrário, isto é, o gasto de 2017 deveria ser menor do que o de 2016, e assim sucessivamente. Alguns poderiam pensar que isso iria afetar mais a economia, mas não seria bem assim porque temos muita gordura em cargos públicos, em gratificações inócuas, etc. No entanto, acho que devemos pôr em prática a experiência e ajustar se não produzir resultados.

JV — Embora a necessidade da reforma da previdência seja quase que um consenso entre os especialistas em contas públicas, alguns pontos em relação a ela, a exemplo da revisão da idade mínima exigida para a aposentadoria, prometem causar grandes resistências por parte de vários setores da população brasileira. Em sua opinião, que impactos essa reforma provocará na economia nacional?

MA — Ao longo do tempo o déficit previdenciário tem crescido absurdamente. Somente em junho passado, ele chegou a R$ 12,168 bilhões. Se consideramos o acumulado até junho de 2016, chegamos a impressionante casa dos R$ 72,925 bilhões. A população economicamente ativa é na ordem de 106 milhões de trabalhadores, mas tem caído com o aumento do desemprego e isso significa menos contribuição, e mais benefícios na forma, por exemplo, do seguro desemprego. Outro detalhe é que a preocupação com mudanças no sistema incentiva a busca pela aposentadoria para evitar perdas. O sistema falha por não conseguir capitalizar as contribuições dos trabalhadores, falha por não conseguir uma taxa de aumento na PEA superior a taxa de novas aposentadorias. No meio dessa questão, vem a fixação de uma idade mínima. Analise a situação de um jovem que teve sua carteira assinada aos 18 anos e que trabalhou durante 35 anos. Esse indivíduo se privou da presença da família (se estudou e trabalhou, pior ainda) e aos 53 anos gostaria de recuperar o tempo perdido, desfrutar mais da companhia dos filhos, enfim… FHC já entendia que uma pessoa que pleiteava aposentadoria aos 50 anos era um vagabundo e por isso criou o fator previdenciário para retardar a aposentadoria. O congresso sob a batuta de Eduardo Cunha aprovou novas regras que ao longo prazo só afundaria mais o sistema. Agora, Temer propõe uma idade mínima… Entende-se a necessidade, agora, o trabalhador é o menos culpado de tudo isso. Em termos econômicos isso pode retardar a entrada de pessoas no mercado de trabalho, então, o desemprego entre jovens pode ser maior.

JV— Tão logo foi empossado como presidente do país – não mais interino – Temer tratou de anunciar o valor do salário mínimo que será aplicado em 2017. O salário, que passará de R$ 880 para R$ 946, representará se for aprovado, uma correção de 7,5% cobrindo apenas a inflação do período. Os assalariados terão o que comemorar em relação a esse reajuste?

MA — Não há o que comemorar porque, simplesmente, não haverá ganho real. A estimativa de inflação é 7,34% e se mantido o aperto atual (desemprego em alta, juros altos, etc..) ela poderá ser até menor. A classe trabalhadora deve ficar mais atenta para as ações do governo porque vai ser afetada sim com as mudanças propostas. Por exemplo, o governo fala sobre rever as relações de trabalho, mas a proposta apresentada (trabalho por demanda) já existe e não tem uma aplicabilidade que justifique. Em linhas gerais, manter o emprego tem sido o melhor prêmio e dificilmente o trabalhador vai conseguir algo mais enquanto não se reverter este cenário.

JV — Outro aspecto que já vem se desenhando no que diz respeito à postura econômica do novo Governo tem se referido à possível prática das já tão aplicadas privatizações. Como especialista na área, o senhor acredita que esse é um dos caminhos mais corretos para que o país retome o seu caminho para o crescimento?

MA — O governo só tem como aumentar suas receitas se for através de impostos ou de privatizações. Eu creio que esta opção não deve ser descartada, mas não deve seguir o que foi traçado no governo de FHC. As empresas foram privatizadas com empréstimos concedidos pelo BNDES. Se quiser comprar, traga o dinheiro, mesmo que parcelado, agora, usar dinheiro público para comprar empresa pública, não é a melhor proposta. Acho que o governo tem empresas que poderiam ser mais bem administradas pela iniciativa privada. Acredito, inclusive, que a abertura para o capital externo também seria bem vinda. Veja o que houve no sistema financeiro. Essa permissividade favoreceu bancos como o Santander, a Caixa Geral de Depósitos (Portugal) adquirirem bancos brasileiros. Precisa apenas de regras claras.

JV —- O novo presidente também já vem se mostrando inclinado para fazer interferências em programas populares como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida que até então atuavam como carros-chefes do governo anterior. Em sua opinião, essas posturas se fazem mesmo necessárias?

MA — Os programas sociais precisam sim de revisão. Não se trata de acabar, mas de transformá-los em instrumentos de inclusão social e não de instrumento eleitoreiro. Veja o caso do Bolsa Família. Exige-se uma frequência escolar de 75%, mas no fundo não há controle sobre isso. A mãe do aluno recebe, mas ela não está em nenhum programa de aprendizado, não presta qualquer serviço para a sociedade e nem mesmo para seu próprio crescimento. Além de tudo isso tem os desvios. O Minha Casa Minha Vida teve uma conotação forte de permitir a casa própria. Deve ser fortalecido porque envolve um setor crucial para a economia que é a construção civil. Há outros programas importantes que precisam ser intensificados (Saúde na Família, Farmácia Popular) e outros que precisam ser revistos na totalidade como o Mais Médicos. Não precisamos de mais médicos, precisamos de menos doentes.

JV—- Neste primeiro momento, Michel Temer tem enfrentado certa resistência por parte de alguns países que até então possuíam grandes relações financeiras com o Brasil. Em sua opinião, a continuidade do novo presidente pode ocasionar em um maior tempo grandes prejuízos para a economia externa do país?

MA — É natural a resistência externa. No mundo inteiro se passou a imagem de que havia um golpe em curso. Foi dito que estava se depondo uma presidente eleita pelo povo e o vice-presidente era instrumento desse movimento. A grande mancha desse processo chama-se Eduardo Cunha e sempre houve a impressão de acordo entre Temer e ele para que isso fosse efetivado. Agora, esse sentimento é maior em países com pensamentos favoráveis a política do PT, principalmente na América Latina. Na Europa, a diplomacia deve prevalecer e Temer precisa trabalhar para mudar essa imagem.

JV —- E no âmbito nacional, ou seja, dentro de casa… Temos observado nos últimos dias várias manifestações contra a posse do novo presidente e o mercado vem sentindo isso na pele. Em sua opinião, quando é que a economia brasileira deverá retomar a sua linha de crescimento?

MA — Internamente, por mais que tenha se cumprido o rito jurídico do processo, ele não é um governo legítimo, escolhido pelo povo. Ele nega com muita rapidez as coisas que afirma, aparenta uma insegurança que não condiz com o cargo. As mudanças que pretende implementar ajudarão bastante as manifestações contra o governo. O movimento no campo, ao ver sua verba de apoio cortada ou diminuída, vai reagir e, em minha opinião, qualquer conversa entre Temer e os movimentos sociais será fantasiosa. Temer representa o patrão, não o trabalhador. Não se tem conhecimento de algo que ele tenha feito para a classe operária, mas se conhece as relações dele com as empresas. Não vai ser fácil.

JV —- Em relação à equipe econômica do novo governo. Qual a sua análise a respeito dos nomes escolhidos?

MA — A equipe econômica tem cacife, tem respaldo, tem credibilidade junto ao mercado. Isso é muito bom por conta da tranquilidade, ou seja, o mercado sabe que qualquer ação da equipe econômica leva em conta a reação. A equipe econômica sabe quais os caminhos a trilhar. Ressalvo apenas que o Levy do governo Dilma, também era muito preparado, mas não suportou a pressão. A gente precisa pensar na sociedade, no trabalhador desempregado e esperar que as ideias dessa equipe sejam suficientes para reverter esse quadro trágico da economia brasileira.

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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