Diante de uma oposição revoltada e em meio a protestos de alguns manifestantes do lado de fora do Congresso, parlamentares rejeitaram na noite desta terça-feira (9) a última pendência em relação o Projeto de Lei do Congresso (PLN) 36/2014, que altera a meta fiscal para 2014 e teve o texto principal aprovado na semana passada. Por 247 votos a 55 e duas abstenções na votação da Câmara, foi descartada a emenda apresentada pelo deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) querendo limitar aos valores praticados em 2013 as chamadas despesas discricionárias, que garantem ao governo gastar recursos do orçamento da forma que quiser. Sem necessidade de votação no Senado, a matéria vai a sanção presidencial.
Na última semana, as discussões em torno do assunto se estenderam por quase 19 horas, quando dois vetos presidenciais foram mantidos e três outras emendas ao texto do PLN, rejeitadas. Na noite anterior, um tumulto causado por manifestantes, com direito a agressões entre oposicionistas e policiais legislativos, impediu a continuidade da sessão em plenário – motivo pelo qual o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), determinou a conclusão dessa votação sem o acesso de visitantes. Hoje, algumas dezenas deles voltaram a protestar durante a sessão, mas foram impedidos de entrar no Parlamento.
Com seguidos anúncios de obstrução, com o objetivo de retardar a aprovação do PLN, membros da oposição se revezaram na tribuna. “Nós sabemos que, quando um governo gasta mal, mergulha na corrupção, chega ao final do ano e quer autorização para gastar mais, quem paga a conta é o cidadão. E nós, da oposição, estamos aqui defendendo o cidadão, porque sabemos que, no final das contas, além do déficit público, que é ruim para o país, que traz a inflação de volta, daqui a pouco já vai vir o governo falando em aumentar impostos. E nós estaremos aqui para dizer ‘não’”, criticou o autor da última emenda rejeitada.
Membro independente da base aliada, Darcísio Perondi (PMDB-RS) também reclamou da aprovação do projeto. “Esta Casa deu um atestado de crédito a um governo que gastou mais do que arrecadou. Olha, nem estou falando da ‘petrolambança’”, discursou, referindo-se às investigações sobre o esquema de corrupção descoberto pela Polícia Federal na Petrobras. “Estou falando que perdeu o controle do gasto público e pediu a esta Casa dar o atestado fiscal, tirá-lo do SPC sem pagar a conta. Isso foi o que fizemos. E hoje, de novo, querem que façamos novamente. Eu não acompanho isso.”
Com quórum garantido com folga no plenário da Câmara, a rejeição da emenda era questão de tempo. E, quando o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pediu a palavra para orientar o voto da bancada, a vitória governista ficou ainda mais clara. “Nós estamos aqui discutindo uma emenda que busca limitar as despesas correntes discricionárias ao montante executado no exercício anterior, de 2013. É uma coisa tão inusitada que não tem a menor condição de ser viável. E nós não podemos ter outra postura, que não seja rejeitá-la”, observou o peemedebista, candidato à Presidência da Câmara para o biênio 2015-2016.
R$ 748 mil
O projeto retira o teto do limite para o abatimento com despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e das desonerações tributárias, como forma de alcançar a meta fiscal prevista para 2014. O valor originalmente estipulado para o superávit foi de R$ 116,1 bilhões, dos quais R$ 67 bilhões poderiam ser abatidos da meta.
Na prática, o projeto permite ao Planalto trocar a economia prevista anteriormente pelo investimento no PAC e pelas isenções tributárias. Com a alteração orçamentária, o governo deve cumprir sem problemas a nova meta superávit, que é a economia do governo para o pagamento da dívida pública (hoje, a dívida líquida está em 33,6% do Produto Interno Bruto). Para a oposição, trata-se de manobra governista para impedir que a presidenta Dilma Rousseff seja enquadrada em crime de responsabilidade, por supostamente ter desrespeitado a Lei de Responsabilidade Fiscal. O governo se defende alegando necessidade natural de ajuste orçamentário.
Para garantir a aprovação da matéria, polêmica em sua essência, o Planalto publicou um decreto no Diário Oficial de 28 de novembro, em edição extra, liberando R$ 10,03 bilhões do orçamento federal até então contingenciados. Do montante, R$ 444,76 milhões foram reservados para o atendimento de emendas parlamentares individuais – R$ 748,7 mil para cada um dos 594 parlamentares. O detalhe é que a liberação do dinheiro ficou condicionada “à publicação da lei resultante da aprovação do PLN 36 de 2014” – justamente a matéria cuja tramitação foi concluída hoje por deputados e senadores.
“Os senhores que votarem a favor desta mudança valem R$ 748 mil. Esta é uma violência jamais vista nesta Casa”, fustigou o senador Aécio Neves (PSDB-MG), alçado à condição de principal líder da oposição depois da apertada disputa com a presidenta Dilma Rousseff (pouco mais de três milhões de votos).
Já para o líder do governo no Congresso, deputado Henrique Fontana (PT-RS), a oposição tenta “criminalizar” as ações do governo. “É interessante que, diante da nossa escolha, da nossa necessidade, que encontra o apoio da maioria deste Parlamento, a oposição tenta criminalizar uma decisão que é absolutamente democrática. E fica aqui o meu desabafo, não podemos ouvir que a liberação de emendas parlamentares – que hoje faz hoje parte do orçamento impositivo e, portanto, é liberada para todos os parlamentares, do PSDB, do DEM, do PPS, do PT, do PMDB – tenha relação com esta votação”, discursou o petista. Congresso em Foco