OPINIÃO: Tem graça?

Por KATIELLY DE LIMA MACEDO*

O humor é um tipo de entretenimento que permite, por sua capacidade de propagar o riso, o descompromisso com a seriedade. Isso tem gerado algumas discussões a respeito do que pode ou não ser objeto de brincadeira, já que muitas vezes o que parece engraçado  para alguns, para outros é constrangedor e discriminatório.

Por isso, o humor tem limite e deve estar ao lado do respeito. Não pode ser insultante, fazer apologia à intolerância, tampouco servir como instrumento de humilhação. Piadas são, na maioria das vezes, estereotipadas, ou seja, expressam generalizações. Assim, devem ser feitas com cuidado, pois muitas vezes são versões distorcidas ou exageradas da realidade e acabam ofendendo.

Negros, cristãos (principalmente evangélicos) e homossexuais são, quase sempre, relatados de forma preconceituosa. Por isso, é preciso certo policiamento dos comediantes ao comentar sobre esses grupos. Afinal, o argumento “É só uma piada!” não é válido para qualquer circunstância. Isso não é defender a censura, é cuidar para que a liberdade de expressão não seja usada para incentivar machismo, homofobia, xenofobia e discriminações étnicas.

Chamar alguém de “macaco” por conta da cor da pele não é engraçado, assim como não tem graça dizer que uma moça fora dos padrões de beleza tem sorte em ser estuprada. Comentários como esses são desumanos e oprimem minorias sociais (negros, gordos, mulheres e idosos). Rir disso é aceitar e propagar uma cultura violenta.

Portanto, só o respeito pode regrar o humor sem torná-lo chato. A comédia não vai deixar de ser hilariante se os humoristas tiverem um pouco mais de cautela com o que dizem. A consciência humana pede um novo tipo de espetáculo, mostrando que a postura preconceituosa é ridícula e que ser diferente não é anormal. É tempo de um humor mais instigante e menos depreciativo.

*Katielly de Lima Macedo é estudante e aluna de Menelau Júnior

OPINIÃO: Cegueira nacionalista

Por MENELAU JÚNIOR

A Copa do Mundo Fifa 2014 começou no último dia 12 de junho com uma polêmica: um pênalti marcado a favor do Brasil. O jogo contra a Croácia estava duro e seguia empatado em 1 a 1. Até que o árbitro inventou um pênalti depois que Fred simulou, teatralmente, uma falta na área adversária.

Neymar converteu em gol a cobrança e isso mudou a história do jogo. Ganhamos dentro de campo e perdemos para o resto do mundo. Em vários países, a imprensa esportiva condenou a atitude do brasileiro e chegou a questionar a lisura do torneio – uma vez que a seleção do país anfitrião já começara ganhando “no roubo”, como diriam os argentinos.

Não bastou. Na última quarta, foi a fez de Marcelo simular vergonhosamente um pênalti. Dessa vez, o juiz não marcou, mas deveria ter dado ao jogador brasileiro um cartão amarelo pela tentativa de simulação. Não deu, favorecendo de novo a seleção. O canal SporTV chamou a atitude dos jogadores brasileiros de “ridícula”. Um comentarista resumiu tudo ao dizer que esse tipo de artifício, malandro, para enganar os juízes e se dar bem de forma desonesta era “feio para o Brasil”.

Obviamente, a cegueira nacionalista que tomou conta do país tratou de minimizar as coisas. Mas cegos que o árbitro japonês que nos deu a vitória contra a Croácia, muitos torcedores defendem que, de fato, Fred sofreu pênalti. Felipão, diante do fracasso de seu time contra o México, reclamou da arbitragem alegando que Marcelo teria sido derrubado na área. Ou seja, deu vez à desonestidade, à malandragem, ao “jeitinho brasileiro” de levar vantagem em tudo.

Ninguém de bom-senso vai negar que a seleção é favorita por méritos próprios. Ninguém de bom-senso vai negar também que, contra a Croácia, a “canarinha” jogou bem. Mas não basta isso. Para os patriotas de plantão, é preciso negar que nosso time foi favorecido, é preciso negar que a história do jogo poderia ter sido diferente não houvesse a participação do árbitro. E é preciso mostrar erros de arbitragem em outros jogos para negar que o Brasil ganhou com a ajuda (imensa) do juiz.

Independentemente disso, o que está em jogo é nosso conceito de honestidade. Admitir que o Brasil foi favorecido não é, como querem os talibãs da patriotada, torcer contra. É simplesmente entender que honestidade não tem lado: ou se é honesto (e se defende esse valor em qualquer situação) ou não se é. Não há meio termo.

Ah, mas “erros existem em todas as Copas”. “O Brasil foi prejudicado há quatro anos”. É verdade. Mas isso não muda as coisas: a Croácia foi prejudicada e pronto. Fred usou de artifícios que o futebol proporciona? Sim. Mas foi honesto? Não. É simples! Marcelo tentou fazer o mesmo no jogo contra o México? Sim! Citar erros de arbitragem para justificar o que houve no jogo anterior é como “encher a cara”, sair dirigindo bêbado e dizer que não é crime porque muita gente faz isso.

Na próxima segunda, o Brasil enfrenta Camarões. A maioria da nossa população espera o óbvio: uma vitória sem maiores atropelos, uma vez que o adversário já não tem chances de classificação. O que se espera também é que nossos jogadores parem de cair na área para cavar pênaltis, como se só pudessem ganhar jogo enganando o juiz. Querer a vitória do Brasil, “não importa como”, é revelar toda a mesquinhez humana. Quem hoje acha que “vale tudo” para ganhar a Copa, deve achar que “vale tudo” para se (re)eleger, que “vale tudo” para vencer na vida, que “vale tudo” para não pagar por eventuais crimes cometidos. E que “vale tudo” para se obter um bom resultado numa prova…

Honestidade não tem lado, não tem pátria, não tem futebol. Admitir que o Brasil foi favorecido por uma arbitragem vergonhosa não é tirar os méritos da seleção. É simplesmente reconhecer o que só nós não queremos ver, por causa dessa cegueira nacionalista que nos acomete em época de Copa. É simplesmente ser honesto. Mas honestidade é item cada vez mais raro nos estádios e fora deles. Nestes tempos de Copa, vale tudo para ver o Brasil campeão. Quem não o ame, que o deixe (ops, isso não era slogan?)…

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Menelau Júnior é professor de língua portuguesa. Escreve para o blog todas as quintas-feiras. E-mail: menelaujr@uol.com.br

OPINIÃO: Nossos coliseus

Por MENELAU JÚNIOR

Maior e mais famoso símbolo do Império Romano, o Coliseu era reservado para combates entre gladiadores ou entre esses homens e animais selvagens. Sua construção começou em 72 d.C., e as obras levaram oito anos para serem concluídas.

Afirma-se que “os primeiros combates disputados para comemorar a conclusão do Coliseu duraram cerca de 100 dias e se estima que, só nesse período, centenas de gladiadores e cerca de 5 mil animais ferozes tombaram mortos em sua arena”.
As lutas e jogos levavam o público ao delírio, público este que chegava a mais de 50 mil pessoas. O Coliseu funcionou como o principal palco de lutas da cidade até o ano 404, quando o imperador Flávio Honório proibiu os combates entre gladiadores.

O Brasil construiu ou reformou 12 Coliseus para a Copa do Mundo. As obras duraram 7 anos e ainda não estão acabadas. Durante 30 dias, 31 seleções sucumbirão até que uma sobreviva nestas arenas superfaturadas. As lutas levarão sempre mais de 50 mil pessoas às arenas e serão vistas por milhões ao redor do mundo.

Hoje, apesar de estar em ruínas,  o Coliseu ainda guarda sua majestade. Está localizado bem no centro da capital italiana, cercado por largas avenidas, e recebe, anualmente, mais de 3 milhões de visitantes, que pagam algumas dezenas de euros para poder caminhar dentro dele.

Em breve, muitos dos coliseus brasileiros, construídos em estados sem nenhuma representatividade no futebol, estarão em ruínas também. A diferença é que ninguém vai pagar em euros para entrar nestes templos do desperdício do dinheiro público.

Os romanos adoravam o pão e circo oferecido pelos imperadores no Coliseu. O brasileiro adora o pão e circo oferecido nas arenas da Copa. Os romanos falavam latim. Nossa língua veio do latim. Nossa principal religião é romana. Herança é algo fantástico.

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OPINIÃO: O gênero das siglas

Por MENELAU JÚNIOR

Um atento leitor nos escreve e solicita algum comentário sobre o gênero das siglas. Sua dúvida – bastante pertinente – é bem específica: como se referir à nova sigla adotada pela Favip, que agora se chama Unifavip/DeVry?

As siglas, assim como quase todas as palavras, têm gênero, ou seja, podem ser classificadas como masculinas ou femininas. Isso depende do gênero da primeira palavra adotada pela sigla. Assim, dizemos O MEC, porque MEC significa ministério da Educação – e a primeira palavra, “ministério”, é masculina. Da mesma forma, dizemos A USP, porque o primeiro nome significa Universidade – a USP é a Universidade de São Paulo.

Quando tínhamos A Favip, o gênero era feminino porque se tratava da Faculdade do Vale do Ipojuca. Não custa nada lembrar que uma sigla, quando tem quatro ou mais letras e é dita como uma palavra (e não letra a letra), deve ter apenas a inicial maiúscula; por isso escrevemos Fafica, Asces, Unifavip e Compesa, por exemplo.

Mas agora que a Faculdade do Ipojuca tornou-se, segundo seu próprio site, um Centro Universitário, passou a chamar-se Unifavip – e como “Centro” é palavra masculina, seria “O” Unifavip. No site da Unifavip/DeVry, lê-se várias vezes “O” Unifavip/DeVry. Vejo como corretíssima a concordância com o artigo masculino, uma vez que estamos falando de um Centro Universitário. É assim mesmo que deve ser: O Unifavip

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OPINIÃO: ‘Previsão para o futuro’

Por MENELAU JÚNIOR

Pode algum ser humano enxergar o futuro? Será mesmo possível ver aquilo que ainda não aconteceu? A resposta a essas perguntas depende muito mais de crenças e superstições do que de análises científicas. Mas pelo menos num ponto a fé pode ser deixada de lado: a análise linguística.

É relativamente usual lermos em sinopses de filmes que certo personagem tem a capacidade de “prever o futuro”. Charlatães de toda espécie também andam por aí prometendo esse tipo de coisa. Entretanto, na língua portuguesa, o verbo “prever” e o substantivo “previsão” não devem estar acompanhados da palavra “futuro”. Por quê? Pelo óbvio: só se pode prever o futuro.

Como escapar, então, a essa capciosa redundância? Existem algumas maneiras. Veja que, em lugar de escrever que alguém pode “prever o futuro”, é possível dizer que esse alguém pode “prever os acontecimentos”. Com o substantivo “previsão” não é diferente: nada de sair por aí dizendo – ou, pior, escrevendo – que alguém faz “previsões para o futuro”. Basta dizer que esse alguém “faz previsões”.

A arte de escrever é também a de economizar palavras. Nesses casos, o excesso é pecado. Ninguém precisa dizer que o amigo “ainda continua” hospitalizado se ele apenas “continua” hospitalizado. Você não precisa dizer que começou a ler esta coluna “há cinco minutos atrás” se você começou a ler “há cinco minutos”. Ou seja, o cuidado com as repetições desnecessárias deve ser permanente.

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OPINIÃO: Palavras envelhecem

Por MENELAU JÚNIOR

Palavras são como gente: nascem, divertem-se, envelhecem e morrem. Às vezes, ressuscitam, transmutam-se, evoluem. Quando pensamos que desapareceram, surgem na boca de alguém que já viveu um pouquinho. E recebem o nome de arcaísmos.

Você sabe que alguém “já passou dos trinta” quando esse alguém chama a pessoa amada de “amoreco”. Se não tiver o amor correspondido, fica logo “amuado”, porque não quer uma “amizade colorida”.

E esse apaixonado – ou “gamado” – decide comprar um cartão e vai ao “armarinho” onde se vende de tudo. Acaba “atarantado” diante das opções de cartões. Alguns, muito belos; outros, “chinfrins”. Compra um. Embora saiba que a “coqueluche” do momento seja deixar mensagens explícitas no Facebook, o indivíduo prefere os cartõezinhos. Pensa na amada, bela com cabelos soltos ou usando “coque” preso com “laquê”. Sem “delonga”, paga ao dono do “armarinho” e solicita um “carro de praça”. Está decidido a ir à casa de seu “amoreco” declarar-se.

Ele, que sempre fora “acabrunhado”, estava “encafifado” com a possibilidade de não ser correspondido. Ela, com seus vinte e sete, já se dizia “encalhada”. Mas estava decidido: não iria mais “encher linguiça”, ficar com muito “falatório”. Iria chegar e dizer: “Não vivo mais sem você”.

Ao descer do táxi, conferiu se estava perfumado. Verificou o “fecho éclair” para não passar vergonha. Ajeitou o terno “engomado”. A rua estava “fervilhando” de gente. Mas nada importava. Os meses de “flerte” tinham servido para preparar o terreno. Ora elogiando a moça, ora fazendo “fiu-fiu”, ele já dera todos os motivos para ela saber de suas intenções.

No táxi, escrevera algumas palavras “mimosas”, ainda que com letra de “garrancho”. Não importava. Tudo se justificava diante de um homem “gamado”.

Tocou a campainha.

Uma “lambisgoia” atendeu, acompanhada de um rapaz “efeminado” que logo “desmunhecou”.

– A Juçara está? – perguntou com voz trêmula.

– Ela se mudou semana passada, “bofe”. Eu sirvo? – perguntou o rapaz.

O jovem “bateu as botas” ali mesmo.

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OPINIÃO: O circo da Copa

Por MENELAU JÚNIOR

A Copa do Mundo começa em poucos dias, mas na TV, no rádio, nas revistas e nos jornais ela já começou faz tempo. Nos intervalos comerciais, só se vê Copa do Mundo. Todos querendo obrigar quem pensa e quem não pensa a ser o mais patriótico dos brasileiros. Nesta Copa do Mundo, quem torce contra é traidor da pátria. Felipão e Neymar já ganharam a Copa – e milhões em publicidade ufanistoide. Só para se ter uma ideia, Neymar pede pelo menos 4 milhões de reais só para começar uma conversa com qualquer anunciante que tenha interesse em sua imagem. Um trabalhador que ganha o salário mínimo precisaria trabalhar mais de 400 anos para receber algo próximo.

Não é de hoje que o futebol é usado com fins muito diferentes do que a mera diversão. Durante o período da ditadura militar, os slogans tratavam de ensinar o povo – e a seleção – a ir “pra frente”. “Pra frente, Brasil!”. Agora, o governo torra milhões em propaganda para mostrar ao povo que o investimento valeu a pena, que “muitas obras vão ficar” como “legado” da Copa e que os brasileiros só ganharam com o evento. As TVs usam e abusam de imagens em câmera lenta para prolongar a emoção do gol, do grito dos torcedores e do lucro dos patrocinadores.

A “Copa das Copas”, como quer fazer crer a presidenta Dilma – aliás, a mesma que já declarou que não irá à abertura do torneio (porque sabe que levaria “a maior vaia da história deste país”) – , já é uma grande tragédia brasileira, independentemente do resultado. É uma tragédia para os brasileiros honestos que pagam impostos e não têm saúde, educação e segurança de qualidade. É uma tragédia para os brasileiros honestos que não usam seu dinheiro para pagar multas de mensaleiros. Gastamos quase 30 bilhões de reais, superfaturamos todos – TODOS! – os estádios e não terminamos 40% das obras de infraestrutura prometidas.

Levantamento da Folha de São Paulo mostra que apenas 10% das obras de mobilidade urbana foram concluídas. Ou seja, construímos estádios em lugares sem nenhuma tradição no futebol (Manaus, Cuiabá e Brasília, por exemplo) e deixamos de lado o que poderia ser realmente útil à população. A Arena Pernambuco, por exemplo, só será paga daqui a 35 anos.

Mas a propaganda – privada e pública – está aí para mostrar que todos devemos torcer pelo Brasil. O PT sabe que, se o Brasil perder, a catástrofe eleitoral será iminente. Lula acreditava que, durante a Copa, o PT estaria nos braços do povo, com Dilma prestes a ser reeleita. A realidade é muito diferente. Todos sabem que o quebra-quebra vai acontecer em todas as cidades, que os turistas serão assaltados e sequestrados, que os problemas de mobilidade urbana ficarão escancarados para o mundo inteiro. E Dilma e o PT estão desesperados diante do crescimento de seus adversários. Mas, apesar de tudo isso, a propaganda quer nos ensinar a torcer e morrer pelo Brasil.

Em poucos dias, estaremos lotando restaurantes, bares e todos os lugares em que houver uma TV para exercermos nosso dever patriótico – e quase “divino”! – de torcer pelo Brasil. O país, afinal, será “a pátria de chuteiras”. Minha família e meus amigos torcerão pelo Brasil. Eu também, mas de forma diferente. Não desejo que o Brasil vença a Copa. Perdendo, talvez pensemos de forma séria no que realmente interessa: educação, segurança, saúde. Em ano eleitoral, o circo da Copa do Mundo só interessa a quem quer nos fazer de palhaços.

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OPINIÃO: Somos todos macacos?

Por MENELAU JÚNIOR

Semana passada, um gesto do jogador do Barcelona Daniel Alves chamou a atenção do mundo inteiro. Quando ia cobrar um escanteio, o brasileiro foi alvo de uma banana jogada por um torcedor. Associar morenos e negros a macacos é um xingamento em várias partes do mundo. Daniel, ironicamente, pegou a banana, descascou-a e a pôs inteirinha na boca. Em seguida, cobrou o escanteio e o jogo seguiu. Na internet, Neymar tirou uma foto ao lado do filho segurando uma banana e escreveu a hashtag #somostodosmacacos. Pronto: o slogan correu o mundo. O que pouca gente sabia é que o slogan fora criado anos antes por uma agência de publicidade.

É óbvio que a atitude de Daniel Alves ajudou a trazer à tona a sempre atual discussão sobre racismo e preconceito. É também óbvio que a turma do oba-oba – incluindo anônimos e muitos, muitos artistas – aderiu à “campanha”. Não aderi porque não sou macaco, embora creia que todos sejamos uma evolução deles. Questiono o sentido literal da expressão “somos todos macacos”. Ela, ao mesmo tempo em que dá a entender que os seres humanos são iguais, reforça a ideia de que negros são macacos. Ou seja, pode até haver uma boa intenção na mensagem, mas ela não deixa de reforçar preconceitos históricos.

Na internet, cada um escreve o que quer e posta o que quer. Uma amiga postou em seu perfil numa rede social: “Homem é homem, macaco é macaco, e racismo é crime”. Foi a frase mais inteligente que li sobre o assunto. Outro amigo aproveitou a deixa para fazer uma crítica ao sistema de cotas: “Se somos todos macacos, para que o sistema de cotas?”, questionou. Mas a maioria repetiu, como papagaio, o slogan “Somos todos macacos”.

Particularmente, não creio que o Brasil seja um país racista como governantes populistas tentam nos fazer crer. Preconceito há contra gordos, contra gays, contra loiras e contra negros. O problema por aqui é muito mais social que étnico. Por aqui, as pessoas sofrem preconceito porque “têm jeito de pobre”, porque “se vestem como pobres” ou porque são pobres. E aí não adianta ter olhos verdes e cabelos loiros. O nosso preconceito é contra a pobreza. Querer dividir o Brasil em pretos e brancos é só mais um recurso vergonhoso de quem abusa da inocência e da ignorância alheia.

Para terminar, macacos estão entre os animais mais inteligentes da natureza. Mais de 99% do nosso DNA é igual ao deles. As diferenças biológicas, portanto, são mínimas. Mas o suficiente para que macacos não se matem por causa de times de futebol, não sejam hipócritas em seus discursos, não matem seu semelhante por nada. Honestamente, os macacos não merecem a comparação com os seres humanos.

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OPINIÃO: Adeus, minha companheira

Por MENELAU JÚNIOR

Esta semana, perdi uma fiel companheira. Nós nos conhecemos em janeiro de 2007 e mantivemos, durante 7 anos e 4 meses, uma relação familiar. Mais que uma grande amiga, Gisele era uma filha.

Não foi fácil aceitar sua partida precoce. Por mais que eu soubesse que uma hora isso iria acontecer, nunca estive preparado para ficar sem ela. Não a vi nascer, porque quando nos conhecemos ela já era criança, mas a vi morrer, dando os últimos suspiros enquanto o médico tentava reanimá-la.

Nos últimos dias de sua vida, Gisele se queixava de dores. Tinha dificuldades para se levantar. E, depois, parecia que nem mais reconhecia a mim. Olhava para o nada, andava em círculos. Quando me fitava, seus olhos cabisbaixos pareciam me dizer que eu me preparasse para a ida sem volta que ela estava prestes a fazer.

Durante o tempo em que estivemos juntos, Gisele foi uma companheira fiel. Meiga, carinhosa, brincalhona. Gostava de ganhar brinquedos, odiava que lhe dissessem “tchau!”. Gisele não entendia a palavra “adeus”, mas sabia que o “tchau” era algo ruim.

Gisele, entretanto, arrumou um jeito só dela para me dar adeus. Na segunda-feira, quando acordei e me despedi dela porque iria trabalhar, ela ficou na sala de visitas, lugar em que nunca ficava. Rezei para as horas passarem logo e eu revê-la na hora do almoço. No fim da tarde, ela iria ao médico pela quinta vez em vinte dias. Mas Gisele não suportou.

Quando cheguei, ela estava na cozinha, como sempre ficava na hora do almoço. Ao me ver, foi até o quintal. Ajoelhei-me, abracei-a e lhe disse olhando nos olhos cabisbaixos: “Papai te ama!”. Ela me olhou pela última vez. Teve uma convulsão e perdeu os sentidos.

Socorrida, ainda foi levada à clínica, onde resistiu até as 17h40 min.

Chovia. Fiz questão de ficar ao lado dela para poder dizer: “Vai, meu amor, não quero que você sofra mais”.

Ela foi embora em silêncio. Eu fiquei com uma dor que insiste em não passar.

Gisele nasceu em 25 de dezembro de 2006. Tornei-me seu pai em 25 de janeiro de 2007. Gisele foi minha cadelinha da raça labrador desde o primeiro mês de vida. Gisele sempre será um grande amor. Ainda mais agora, que passei a odiar a palavra “tchau”…

Até a próxima semana.

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OPINIÃO: “O partido que ele é filiado”

Por MENELAU JÚNIOR

Tenho lido recentemente em órgãos de nossa imprensa frases do tipo “O partido que ele está filiado…”. Há, no fragmento, alguns elementos gramaticais interessantes a discutir.

A primeira questão seria ortográfica. Existe diferença entre “filiado” e “afiliado”? Para os dicionários, não. O Houaiss, versão eletrônica, traz, entre outras definições: “Agregar(-se), unir(-se) a corporação, clube, entidade, sociedade etc.; inscrever(-se) como sócio ou membro; afiliar(-se)”. Observou: “afiliar-se”. Por isso, pode-se dizer que o candidato Fulano está filiado (ou afiliado) ao partido X.

Entretanto, há um problema de regência verbal na oração em análise. O adjetivo “filiado” (ou “afiliado”) pede a preposição “a”. É possível filiar-se “a” determinado partido. Mas observe que no trecho “O partido que ele está filiado” essa preposição não aparece.

De fato, mesmo em textos formais já encontramos o pronome relativo “que” sem ser antecedido de preposição, mesmo quando a norma-padrão recomenda esse uso. Em outras palavras, a construção “O partido que ele está filiado…” deve ser substituída por “O partido a que (ou “ao qual”) ele está filiado…”. Encontrei também a forma “O partido em que ele está filiado…”. Nesse caso, o “em” não se justifica, uma vez que o adjetivo “filiado” pede a preposição “a”.

No site do TRE de Minas Gerais, encontrei a seguinte oração: “Para a filiação, é necessário que o eleitor se dirija à sede do partido ao qual pretenda se filiar com seu título de eleitor e preencha a ficha de filiação, em modelo próprio do partido”. Observe o uso adequado da forma “ao qual”: “…sede do partido ao qual pretenda se filiar”. É o verbo “filiar-se” que exige a preposição “a”.

Situação semelhante ocorre com a frase “A seção que o eleitor vai votar”. Ora, se o leitor vai votar, ele fará isso “em” uma seção. É por causa desse “em” que, numa construção formal, recomenda-se a forma “A seção EM QUE (ou “na qual”) o eleitor vai votar”.

Para você que se prepara para o Enem, é bom revisar regência verbal. Embora as questões de múltipla escolha não tratem de aspectos gramaticais minuciosos, a redação deve ser escrita em norma-padrão. Obedecer à regência é importante.

Até a próxima semana.

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