A saúde suplementar no Brasil está em alerta. Funcionando com a mesma dinâmica do sistema previdenciário brasileiro (o solidário), no qual os mais jovens contribuem para os mais velhos, a saída de 3 milhões de pessoas com idade entre 0 e 39 anos dos planos de saúde, nos últimos quatro anos, preocupa o setor. Isso porque, no período, o contingente de idosos aumentou consideravelmente, com mais de 280 mil novos usuários acima dos 40 anos. Percentualmente falando, os mais jovens representavam 63,54% dos usuários em 2014. Hoje esse percentual é de 60,85% do total de usuários, segundo dados da ANS de junho. Já o grupo dos mais velhos saiu de 36,46% (2014) para 39,15% (2018). Diante de uma realidade de custos maiores, visto que idosos utilizam mais o plano de saúde, e da saída do contingente jovem e com pouco uso do serviço, o preço dos planos tende a subir ainda mais.
O principal motivo para a queda no total de jovens é a elevação do desemprego, cuja taxa já é de 12,3% até julho. “Será insustentável o setor só concentrar a população de maior sinistralidade. O serviço será muito caro e, portanto, inacessível à maioria dos cidadãos”, analisa o especialista em direito da saúde, Elano Figueiredo, que completa afirmando que o planejamento com incentivos, públicos e privados, para a maior participação dos jovens é urgente. “Somos um país que só vive o hoje e não se discute e nem se planeja o amanhã”, ressalta o especialista.
De acordo com o superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), Luiz Augusto Carneiro, não só a população mais idosa é impactada com essa questão, mas todo o sistema. “Existe um mecanismo que conhecemos como pacto intergeracional. Aplicado desde sempre ao mercado, ele determina, basicamente, que as pessoas mais jovens, em tese mais saudáveis, paguem um pouco a mais do que seria indicado pelo seu perfil de uso dos serviços de saúde e, em contrapartida, os beneficiários nas últimas faixas etárias paguem um pouco menos”, explica Carneiro. Ainda segundo ele, em um eventual repasse do aumento dos custos, os beneficiários em todas as faixas etárias irão sentir o impacto e correm risco de não ter condições de se manter no plano.
“Apesar de o problema só crescer nesses últimos anos de crise, quando os mais jovens, que se consideram saudáveis, abrem mão de uma assistência médica particular, ainda não temos uma alternativa concreta para trazer esse público de volta, com preços mais atrativos”, comenta o economista-chefe da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Marcos Novais. Segundo ele, a incorporação de mais exigências por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a exemplo de novos procedimentos que encarecem a atuação das operadoras, não ajuda o mercado a propor preços mais atrativos para que todos possam ter acesso aos planos de saúde. “Precisamos reduzir nossos custos, pois se nossos custos forem altos, os preços serão altos”, sentencia.
Já Luiz Augusto Carneiro, do IESS, é enfático quando diz que a solução para não haver repasse de custos para a população está na reformulação no sistema de saúde suplementar que vise prevenção e maior eficiência, com inserção de indicadores de qualidade hospitalar; mudança de modelo de pagamento; melhor análise de custo efetividade para a inserção de novas tecnologias; e evitar erros e práticas abusivas. ” Se o setor não reparar nos diferentes alertas, não serão apenas os beneficiários nas últimas faixas etárias que irão sentir esse aumento e não ter condições de manter o plano, mas todos”, ressalta.
A reportagem procurou a ANS, mas até o fechamento desta edição, a agência, que ficou de se pronunciar por meio de nota oficial, não tinha enviado seu posicionamento sobre a problemática.
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