OPINIÃO: OAB pede cassação de Fidelix. Valeria também para Feliciano?

Por LUIZ FLÁVIO GOMES*

Levy Fidelix, no último debate, disse: “Pelo que eu vi na vida, dois iguais não fazem filho. E digo mais. Digo mais. Desculpe, mas aparelho excretor não reproduz (…) Prefiro não ter esses votos, mas ser um pai, um avô, que tem vergonha na cara, que instrua seu filho, que instrua seu neto. E vamos acabar com essa historinha (…) Que façam um bom proveito que querem fazer e continuar como estão. Mas eu, presidente da República, não vou estimular. Se está na lei, que fique como está. Mas estimular, jamais, a união homoafetiva (…) Se começarmos a estimular isso daí, daqui a pouquinho vai reduzir para 100 [milhões]. É… Vai para a [avenida] Paulista e anda lá e vê. É feio o negócio, né? Então, gente, vamos ter coragem somos maioria. Vamos enfrentar essa minoria”.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pediu ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a cassação da candidatura de Levy Fidelix (PRTB) em virtude das declarações homofóbicas ditas pelo candidato durante debate ocorrido na “TV Record” na noite de 29/9/14. Se o TSE acolher essa iniciativa, vários candidatos correrão risco de cassação.

Marco Feliciano, por exemplo, deputado e pastor evangélico (que será um dos cinco mais votados em SP, conforme pesquisa do Ibope), quando presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, condenou publicamente a homossexualidade (várias vezes) e ainda afirmou que os negros foram alvo de uma “maldição” de Noé. Quando criticado, ratificou todas as suas declarações, afirmando: “muitos dos fieis da sua Igreja deixaram de ser homossexuais graças à ajuda espiritual”; “o amor entre pessoas do mesmo sexo leva ao ódio, ao crime e à rejeição; cabe atacar o casamento gay, não oficializado no Brasil, embora existam projetos neste sentido no Congresso”.

“O problema é que depois do casamento religioso, eles podem querer, como já brigam pela adoção de crianças. E nós sabemos, a própria psicologia diz, que a criança criada por dois homens ou criada por duas mulheres tem uma problemática sem tamanho”, declarou Feliciano para Folha de S. Paulo.

Sobre os negros e africanos, Feliciano (PSC-SP) sustentou que são alvo de uma “maldição; Citando a Bíblia (…), africanos descendem de Cão (ou Cam), filho de Noé. E, como cristãos, cremos em bênçãos e, portanto, não podemos ignorar as maldições”, declarou, em defesa protocolada no STF após denúncia da Procuradoria Geral da República. Feliciano afirmou que isso não representa racismo, mas um apego a suas crenças religiosas e, além disso, diz que “milhares de africanos” se “curaram” dessa “maldição” ao “se entregarem ao caminho de Deus”.

A Constituição brasileira assegura a todos a liberdade de crença e de religião e ainda a liberdade de expressão do pensamento (art. 5º). Ao mesmo, a mesma Constituiçãodiz que ninguém pode ser discriminado em razão da raça, cor, origem, sexo (orientação sexual), procedência, crença religiosa etc.

Quando dois direitos constitucionais colidem, resolve-se cada caso pela ponderação dos fatos e valores em jogo (aqui entra o princípio da proporcionalidade). No caso de Levy Fidelix, quais devem preponderar? Os direitos do primeiro grupo ou os do segundo? Cabe sublinhar que se o TSE entender (1) que houve abuso da liberdade de expressão e (2) que isso gera a cassação da candidatura, seu precedente poderia alcançar outros candidatos que porventura incorressem no mesmo abuso.

*Luiz Flávio Gomes é jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil

Opinião: Brasil será potência mundial

Por LUIZ FLÁVIO GOMES

No decurso da Copa do Mundo recebi e conversei muito com alguns amigos estrangeiros. Eles estavam encantados com nosso país, com a hospitalidade, com a culinária, suas belezas naturais, suas cidades pujantes, estádios bonitos etc. Um deles, visivelmente o mais entusiasmado, dizia que o Brasil se converteria, em breve, em uma grande potência mundial, “na ciência e na tecnologia, na educação e na cidadania, no agronegócio e na indústria, na produtividade e na competividade etc.”

Fiquei me perguntando qual seria o milagre que iria transformar nosso país em um paraíso. É certo que não podemos negar as qualidades extraordinárias do Brasil, mas ao mesmo tempo sabemos que estamos mergulhados num caos profundo, sobretudo porque sempre fomos governados por pessoas que sempre pensaram mais nelas que nos interesses gerais.

Ponderei aos meus amigos que somos dois brasis (um com a proa voltada para a civilização e outro muito atrasado – Brasildinávia e Brasilquistão). Somos cordiais (agreguei), mas matamos 57 mil pessoas por ano; somos hospitaleiros, mas campeões do mundo em violência contra os professores; matamos 12 mulheres a cada 24 horas, 130 pessoas diariamente em acidentes de trânsito etc.

Ao meu interlocutor ainda sublinhei o seguinte: como pode o Brasil vir a ser uma potência mundial respeitada, se ele conta ainda com tanta violência (e a violência é sinal de atraso e de barbárie, não de evolução). Dei-lhe alguns números: em 1980, o Brasil era o quarto país mais violento do mundo, dentre 23 (só temos dados disponíveis de 23 países nesse ano). Em 1995, dentre 80 países, passamos para a sexta posição. Já em 2000, passamos a ser o sétimo mais violento do mundo, num total de 98 países: pouco avanço, devido ao aumento contínuo na taxa de mortes.

Em 2010, de acordo com levantamento realizado pelo Instituto Avante Brasil, o Brasil passou a ser o 20º país mais violento, dentre 187 países. Em 2012, nesse grupo, chegou ao 12º lugar. Em 2010, o Brasil foi responsável por 52.260 homicídios, ou uma taxa de 27,3 mortes para cada 100 mil habitantes; em 2012, apresentou um crescimento de 7,8% em números absolutos, registrando 56.337 mortes e uma taxa de 29 para cada grupo de 100 mil habitantes.

Com esses números, perguntei, como pode o Brasil se tornar uma potência mundial? Ele me respondeu:

“Há muita coisa para se fazer, porém, uma delas será absolutamente imprescindível, porque é a primeira de todas: reconhecer que a cultura do Ocidente está em franca decadência. Essa é a raiz de praticamente todos os problemas dos países ocidentais, que estão ameaçando concretamente o futuro das gerações vindouras; as pessoas estão perdidas e as instituições se encontram falidas. Tudo isso nos impede de viver uma vida plena e satisfatória. Algumas das nossas sociedades estão invertebradas. Outras são, desde a origem, invertebradas, sobretudo do ponto de vista moral e ético”.

Lamentavelmente, eu disse, o Brasil se encaixa no segundo grupo: somos um país invertebrado moralmente, desde o descobrimento (em 1500). Essa é a nossa peste invisível, que aqui se espalhou com a postura individualista e extrativista dos conquistadores, que transmitiram esse vírus maligno de geração em geração, corroendo de forma profunda a espinha dorsal que rege as relações humanas e sociais, afetadas até à raiz pela nossa forma de pensar, nossas opiniões, nossos juízos e nossos atos, pouco comprometidos com a vida saudável em sociedade.

Meu interlocutor concluiu: “O bloqueio ético que invadiu a cultura ocidental nos impede de pensar coletivamente. Cada um busca a satisfação exclusiva dos seus interesses, a realização dos seus desejos (cada um por si e ninguém pelo todo). Essa é uma cultura nitidamente alienante e decrépita, que altera nossa capacidade de raciocinar, assim como nossos sentidos e chega mesmo a destruir nossa própria identidade e nossas ideias, projetando-nos para um niilismo absoluto, onde reina a ausência de regras (anomia) e de autoridade, assim como de crenças coletivas e tradições”.

Antes que ele encerrasse seu discurso indaguei: “Vivemos ao sabor dos ventos, sendo indiferente para nós se eles sopram para a esquerda ou para a direita, para frente ou para trás, para o progresso/civilização ou para a barbárie?”.

Ele prosseguiu: “Nada mais atinge nossa sensibilidade, ainda que se trate de um ato extremamente cruel e desumano. Somos indiferentes à dor alheia, ao sofrimento dos demais. As sociedades invertebradas estão fulcradas na crença e no pensamento de que só se considera como realização pessoal a que se alcança mediante a satisfação dos desejos mais primários, das pulsões mais primitivas, que passaram a constituir o padrão de referência para valorar as consequências dos nossos atos.

O bem absoluto é a satisfação dos nossos interesses, pouco importando o que eles significam para o progresso ou retrocesso da comunidade, da ética e da moral. O bem supremo da vida é a realização do nosso desejo, dos nossos interesses, ainda que alcançados por meios aéticos e imorais, ainda que conquistados por formas tortas e deploráveis, com violação das frouxas e fluidas regras procedimentais. Trocamos a razão objetiva pela razão subjetiva, ou seja, pelo que manda a vontade de cada um, sem considerar que os humanos não vivemos isolados dos outros humanos”.

LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.

Opinião: Dez indicadores do nosso abismo social e político

Por LUIZ FLÁVIO GOMES

O Brasil não carece somente de reformas, sim, de reconstrução (que deveria se iniciar pela revolução educativa). Nossa sociedade não foi construída, foi instalada. Nossas cidades não foram planejadas, foram plantadas (ao acaso). Nossos interesses nunca foram coletivos, fundados na razão objetiva demarcadora do Ocidente (de tradição helênica e judaico-cristã). Ao contrário, sempre fomos individualistas, adeptos da razão subjetiva ou instrumental (tal qual delineada a posteriori pelo Iluminismo).

Desde o princípio, portanto, o Brasil é um enorme Titanic: afunda cada vez mais no oceano dos seus vícios e das suas incongruências, mas a orquestra continua tocando. A quase totalidade das pessoas, no entanto, desgraçadamente, percebem exclusivamente o som da orquestra (o carnaval, a superfície, o vulgar), sem notar o naufrágio em curso (a grande tragédia, há muito tempo anunciada). Seguem 10 indicadores desse naufrágio. O Brasil é:

1) campeão mundial em homicídios (em números absolutos): foram 56.337 assassinatos em 2012 (últimos dados disponíveis – veja Mapa da Violência e Datasus do Ministério da Saúde); neste item nenhum país do mundo está na frente do Brasil, mesmo considerando os mais populosos como China e Índia;

2) o 12º país mais violento do planeta, com a taxa aberrante de 29 assassinatos para cada 100 mil pessoas, se considerarmos os países com dados para 2012; é o 13º se todos os países com dados disponíveis na ONU forem incluídos na lista (UNODC; Datasus; IBGE);

3) campeão mundial no item “cidades mais violentas em 2013”, de acordo com o Conselho Cidadão para a Segurança e Justiça Penal AC: das 50 mais homicidas do planeta, 16 estão no Brasil (Maceió, Fortaleza, João Pessoa, Natal, Salvador, Vitória, São Luís, Belém, Campina Grande, Goiânia, Cuiabá, Manaus, Recife, Macapá, Belo Horizonte, Aracaju);

4) o terceiro país no ranking prisional em 2014: conta com 711 mil presos (computando os domiciliares), segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (maio de 2014), ficando atrás apenas dos Estados Unidos (2.228.424) e China (1.701.344). Já ultrapassamos a Rússia (com 676 mil presos) (veja dados do Centro Internacional de Estudos Penitenciários – ICPS, na sigla em inglês – da Universidade de Essex, no Reino Unido);

5) campeão mundial em violência contra professores, de acordo com estudo desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); 12,5% dos professores ouvidos no Brasil disseram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana. É o índice mais alto entre os 34 países pesquisados – a média entre eles é de 3,4%. Depois do Brasil, vem a Estônia, com 11%, e a Austrália com 9,7%. Na Coreia do Sul, na Malásia e na Romênia, o índice é zero;

6) o território onde acontecem mais 10% de todos os homicídios do planeta (UNODC); de 1980 até 2014 foram 1.360.000 mortes intencionais; somente em 2012 aconteceram 101.149 mortes violentas (somando-se as mortes intencionais e as do trânsito);

7) o 79º país no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano); computando-se a desigualdade, 95º (PNUD) (a desigualdade, a miséria e a pobreza significam violência institucionalizada);

8) um dos últimos colocados em todos os rankings internacionais sobre educação (PISA, por exemplo); dentre 65 países, o Brasil está em 55º no ranking de leitura, 58º no de matemática e 59º no de ciências;um dos piores colocados em termos de escolaridade média da população: 7,2 (igual Zimbábue) (PNUD);

9) o 8º país em analfabetismo – cerca de 13 milhões de brasileiros são completamente analfabetos (UNESCO);

10) um dos países com maior número de analfabetos funcionais: ¾ da população entre 15 e 64 anos não conseguem ler e escrever de modo satisfatório (nem compreendem o que lê nem fazem operações matemáticas simples) (Instituto Paulo Montenegro, Inaf e IBGE);

Os indicadores que acabam de ser enumerados mostram que ainda é enorme nosso desprezo pela vida humana. Qualquer pessoa dotada de bom senso diria: diante de tanta violência e mortes, com certeza o Brasil deve estar executando um dos programas mais desenvolvidos do planeta de prevenção da violência e da criminalidade. Decepção: isso não está ocorrendo no nosso país. O programa preventivo lançado pelo governo Lula (Pronasci) foi substituído por outro (da presidenta Dilma), chamado “Brasil Mais Seguro”, em 2012. O primeiro morreu e o segundo não gerou os efeitos positivos esperados (os índices de mortes continuam aumentando.

LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.

Coluna da Semana: Os fichas-sujas

Por Menelau Júnior

Fruto da iniciativa popular, com 1,6 milhão de assinaturas, a Lei da Ficha Limpa foi aprovada em 2010 e sancionada pelo Congresso e pelo ex-presidente. Pretendia-se tornar inelegíveis os políticos condenados por corrupção, improbidade, quebra de decoro e abuso de poder econômico. O Supremo Tribunal Federal indicou que a Lei só valeria a partir de 2012. E assim, acabou mais um episódio em que nossos políticos fichas-sujas se safaram das frágeis leis brasileiras. Em todos os órgãos de imprensa, o assunto foi amplamente divulgado e comentado na época. Vamos aproveitar e explicar o porquê de o plural de “ficha-suja” ser “fichas-sujas”.

Quando estamos lidando com substantivos compostos, devemos observar a classe gramatical de cada palavra que forma o vocábulo. No caso de “ficha-suja”, temos a junção de “ficha”, que é um substantivo, e “suja”, um adjetivo. Ao pluralizarmos um composto, normalmente colocamos no plural as palavras que pertencem à classe dos substantivos, dos adjetivos e dos numerais. Exatamente por isso temos o plural “fichas-sujas”.

E já que falamos em fichas-sujas, não podemos nos esquecer do MST, organização que também coleciona crimes em seu vastíssimo currículo de “reivindicações”. Por que a imprensa usa “os sem-terra”?

Para os que defendem a forma invariável, a explicação é a seguinte: o substantivo “sem-terra” seria uma redução de “trabalhador sem terra”. E quando temos um composto ligado por preposição, apenas o primeiro elemento varia. Assim sendo, o plural seria “trabalhadores sem terra”. Como “trabalhadores” acaba ficando elíptico, sobra apenas “sem-terra”: “os sem-terra”.

Na hora de usar o plural de um substantivo composto, é preciso sempre ter cuidado. Num dos primeiros escândalos do governo Lula (foram tantos…), o ex-presidente usou várias vezes a expressão “máquinas caças-níquel”. Essas nunca existiram. “Caça” é verbo e “níquel” é substantivo. A língua portuguesa só admite “caça-níqueis”.

Menelau Júnior é professor de português

Coluna: Educação: as pedras no meio do caminho

Por Menelau Júnior

Divulgado no início do mês, o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) revelou uma realidade que expusemos neste espaço há algumas semanas: o ensino médio no Brasil é desastroso. Em 16 estados brasileiros, a meta do governo não foi alcançada. E, diga-se de passagem, as “metas” são notas na casa dos 4 pontos. Parece piada: o Brasil está lutando para ter uma nota quatro.

Os números oficiais também mostram que, nos anos iniciais do ensino fundamental, as metas estão sendo cumpridas. Mas a partir do 6º ano os problemas se intensificam. No 9º ano, quando os alunos terminam o ensino fundamental, o rendimento deles já está bem abaixo do esperado. Quem vai segurar a “bomba”? Os professores do ensino médio, claro. Recebem alunos incapazes de entender um texto, sem conhecimentos mínimos em matemática e “viciados” em aprovações que envergonhariam qualquer aluno medíocre de países desenvolvidos.

É importante salientar, claro, que o Ideb – assim como o Enem – não deve ser o único meio para considerar melhorias na educação, mas é um indicador. Fatores como tempo que o aluno passa na escola, realidade sociocultural e econômica devem ser levados em conta. A formação dos professores também. Aliás, aí está outro problema: a cada ano cai o número de alunos que ingressam em cursos de licenciatura. O caso mais grave é o do curso de Letras, que teve uma diminuição de 13% no número de matrículas entre 2012 e 2013. Resumindo: professores formam juízes, advogados, engenheiros, médicos, jornalistas. Mas os jovens não querem ser professores.

Caiu também, pela primeira vez nos últimos 10 anos, o número de alunos que concluem um curso superior. A redução ficou em torno de 5%. Mas o ministério da Educação comemorou o aumento no número de matrículas, que foi de 3,8%. Em outras palavras, para o governo o importante é dizer que os alunos estão chegando à universidade. Se vão sair, isso é um problema deles. E não é preciso pensar muito para entender porque está caindo o número de formandos do ensino superior: muitos chegam à universidade sem hábitos de estudos, sem conhecimento necessário e precisando trabalhar.

As médias que permitem aprovação em muitos cursos ficam abaixo de 3,0. Ou seja, há uma “bola de neve” na educação brasileira: os alunos saem muito ruins do ensino fundamental, ficam ainda piores no ensino médio e são jogados nas universidades. Pesquisa feita no Distrito Federal revelou que 50% dos alunos que terminam um curso superior são analfabetos funcionais – não conseguem entender um texto mais complexo, mesmo em sua área de atuação.

No Brasil da propaganda governamental, basta falar em construção de universidades, em programas de financiamento para que boa parte acredite em reais avanços. É o populismo desavergonhado a serviço da mediocridade. Há muitos cursos de universidades públicas sem alunos, sem estrutura adequada, sem professores assíduos. Enquanto isso, de cada R$ 100 arrecadados no Brasil, R$ 57 ficam com o governo federal, R$ 25 com os 26 estados e o Distrito Federal e apenas R$ 18 com os 5.700 municípios.

Aos estados e municípios cabe a educação básica, área em que está o grande problema da educação brasileira – o número de alunos é infinitamente superior aos da educação superior e a verba é infinitamente menor. Sem resolver o problema na base, oferecendo escolas com infraestrutura decente, com professores bem-remunerados e motivados, precisaremos maquiar as universidades para dizer que estamos avançando na educação. E o pior: precisaremos de metas ridículas para justificar esse avanço.

Menelau Júnior é professor de português

Artigo: Administração escolar no Brasil

Por Alexei Esteves

O estudo da história da educação brasileira revela que o tema da democratização, associado ao da universalização do ensino, salvo em alguns momentos de enfraquecimento, vem traduzindo-se em uma preocupação constante nos debates educacionais. A discussão sobre a qualidade, por sua vez, apesar de estar presente, de alguma forma, desde o “otimismo”, manifestou-se de forma mais explícita em movimentos específicos (Escola Nova e Tecnicismo), até atingir seu ápice nos anos 1990.

Nessa década, dentro de uma ótica progressista, a qualidade será mais um elemento pelo qual se deve lutar, portanto como uma extensão de direitos, em que se defende uma escola pública, gratuita e democrática. Porém, sob a inspiração de uma pedagogia de caráter neotecnicista, decorrente das idéias neoliberais que iriam desaguar com maior ímpeto, nesse ínterim, a problematização acerca da qualidade, assumida pelo discurso de cunho neoliberal, irá embotar a preocupação com a democratização da educação e da sociedade.

O problema da qualidade será aí compreendido dentro da lógica produtiva empresarial. Segundo esse prisma, não há falta de vagas e nem de recursos, mas uma ineficiência da administração escolar pública.

Ambas as posições, porém, irão reconhecer a importância da gestão educacional, e mais especificamente, da gestão escolar, como uma das formas de concretizar essa qualidade. Os setores progressistas, entendendo a qualidade dentro de uma concepção mais ampla, lutarão por formas mais justas de organização escolar. Os setores conservadores, contudo, irão proclamar por novas formas de gestão com o objetivo de promover a eficiência no campo educacional.

Assim, se no movimento escolanovista a qualidade esteve relacionada aos meios de aprendizagem, e no tecnicismo às técnicas implementadas no processo de ensino, na década de 1990, essa dimensão estará associada, entre outros aspectos, à gestão escolar, ou melhor, à gestão democrática escolar. Há que se alertar que a importância conferida à administração não pode ser considerada como um fenômeno circunstancial ou uma simples corrente acadêmica. Na verdade, a atenção concedida a ela, atualmente, deve ser compreendida como uma questão dotada de historicidade, pois, como se viu, tem sido objeto de investigação sistemática desde a década de 1960.

A idéia é que a ênfase na gestão democrática da unidade escolar é influenciada pela dinâmica dos movimentos que a antecederam – analisados aqui sob as categorias democratização e qualidade escolar. Contudo, é preciso elucidar que a importância que irá adquirir a temática gestão democrática no meio acadêmico e no campo das políticas públicas educacionais fará com que esta problemática seja mais do que um desdobramento das categorias acima referidas e se consubstancie em um outro movimento de suma importância nos debates educacionais.

Esse movimento está relacionado com uma dinâmica de focalização da escola, que se apresenta nitidamente, no Brasil, a partir da década de 1980. A valorização da organização escolar implicará o reconhecimento das unidades de ensino como locais dotados de uma margem de autonomia pedagógica e administrativa. Sob a orientação dessa valorização, a gestão escolar passará a ser objeto de atenção dos sujeitos envolvidos, direta ou indiretamente, com a educação.

Artigo: A arte de influenciar pessoas

Por Claiton Fernandez

A literatura corporativa está repleta de livros que prometem revelar as “técnicas ocultas” utilizadas pelos grandes líderes para influenciar e mobilizar pessoas.

O psicólogo norte-americano Howard Gardner, um dos renomados pesquisadores da Universidade de Harvard, elaborou, ao longo de uma década, uma espécie de raio-x dos cérebros mais influentes da história. Focalizando da primeira ministra britânica Margaret Thatcher ao superCEO Jack Welch, ele analisou como essas personalidades “mudaram a cabeça” de outros indivíduos. O resultado da pesquisa deu origem ao livro Changing Minds – The Art and Science of Changing Our Own and Other People’s Minds (na tradução literal, Mudando Ideias – A Arte e Ciência de Mudar as Ideias Próprias e de Outras Pessoas). A obra comprova que, ao contrário do que se imaginava, a ciência da persuasão vai muito além dos exercícios de oratória ou das nuances da linguagem corporal.

Acreditava-se até então que influenciar pessoas era uma habilidade comportamental e não intelectual. Uma pesquisa bastante conhecida na área de Programação Neurolinguística, por exemplo, pregava que apenas 7% da comunicação interpessoal ocorre através das palavras. A entonação da voz responderia por 38% da mensagem, enquanto a postura corporal e as expressões do rosto transmitiriam nada menos do que 55% das informações captadas pelo cérebro humano.

Diziam que o cantor é mais importante do que a canção. Da mesma forma, quem fala é mais importante do que aquilo que está sendo falado. No entanto, descobriu-se que os líderes mais influentes do mundo expõem suas ideias de uma forma racional e sistemática – e com uma estrutura de argumentação envolvente. Resumindo, as palavras têm muito mais importância no discurso persuasivo do que se pensava.

Na verdade, a mente processa e arquiva informações de diversas formas. Cada ideia que temos é representada ou por uma imagem, ou por um som ou por outros tipos de signos mentais. Para mudar uma pessoa, ou suas opiniões, é necessário, portanto, remodelar essas roupagens que a mente dá a cada ideia. E isso pode ser feito de várias maneiras, inclusive conversando.

Não que a neurolinguística esteja ultrapassada, mas a pesquisa ajudou a desvendar, de quebra, por que algumas pessoas conseguem mover multidões com o dom da palavra. Hoje, provocar mudanças é uma habilidade obrigatória para qualquer líder. Na atual dinâmica da economia global, as empresas são obrigadas a estarem sempre em compasso de transição.

O problema é que raramente as pessoas estão preparadas para mudar na velocidade que o mundo dos negócios exige. Pelo contrário, por natureza, a mente humana prefere as mordomias da estabilidade às incertezas da mudança. Os indivíduos geralmente criam uma fixação pelos hábitos e comportamentos que se mostraram eficazes no passado.

A tendência à acomodação é uma verdadeira dor de cabeça para os gestores que tentam implantar novos paradigmas em suas empresas. Sem a devida preparação, dificilmente eles conseguem contornar as resistências e levar seus projetos adiante. Influenciar pessoas está cada vez mais difícil.

Claiton Fernandez é palestrante, consultor e educador. Autor dos livros “Caminhos de um Vencedor” e “Da Costela de Adão à Administradora Eficaz”. Site: www.claitonfernandez.com.br .

Coluna: Educação: as pedras no meio do caminho

Por Menelau Júnior

Divulgado no início do mês, o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) revelou uma realidade que expusemos neste espaço há algumas semanas: o ensino médio no Brasil é desastroso. Em 16 estados brasileiros, a meta do governo não foi alcançada. E, diga-se de passagem, as “metas” são notas na casa dos 4 pontos. Parece piada: o Brasil está lutando para ter uma nota quatro.

Os números oficiais também mostram que, nos anos iniciais do ensino fundamental, as metas estão sendo cumpridas. Mas a partir do 6º ano os problemas se intensificam. No 9º ano, quando os alunos terminam o ensino fundamental, o rendimento deles já está bem abaixo do esperado. Quem vai segurar a “bomba”? Os professores do ensino médio, claro. Recebem alunos incapazes de entender um texto, sem conhecimentos mínimos em matemática e “viciados” em aprovações que envergonhariam qualquer aluno medíocre de países desenvolvidos.

É importante salientar, claro, que o Ideb – assim como o Enem – não deve ser o único meio para considerar melhorias na educação, mas é um indicador. Fatores como tempo que o aluno passa na escola, realidade sociocultural e econômica devem ser levados em conta. A formação dos professores também. Aliás, aí está outro problema: a cada ano cai o número de alunos que ingressam em cursos de licenciatura. O caso mais grave é o do curso de Letras, que teve uma diminuição de 13% no número de matrículas entre 2012 e 2013. Resumindo: professores formam juízes, advogados, engenheiros, médicos, jornalistas. Mas os jovens não querem ser professores.

Caiu também, pela primeira vez nos últimos 10 anos, o número de alunos que concluem um curso superior. A redução ficou em torno de 5%. Mas o ministério da Educação comemorou o aumento no número de matrículas, que foi de 3,8%. Em outras palavras, para o governo o importante é dizer que os alunos estão chegando à universidade. Se vão sair, isso é um problema deles.

E não é preciso pensar muito para entender porque está caindo o número de formandos do ensino superior: muitos chegam à universidade sem hábitos de estudos, sem conhecimento necessário e precisando trabalhar. As médias que permitem aprovação em muitos cursos ficam abaixo de 3,0. Ou seja, há uma “bola de neve” na educação brasileira: os alunos saem muito ruins do ensino fundamental, ficam ainda piores no ensino médio e são jogados nas universidades. Pesquisa feita no Distrito Federal revelou que 50% dos alunos que terminam um curso superior são analfabetos funcionais – não conseguem entender um texto mais complexo, mesmo em sua área de atuação.

No Brasil da propaganda governamental, basta falar em construção de universidades, em programas de financiamento para que boa parte acredite em reais avanços. É o populismo desavergonhado a serviço da mediocridade. Há muitos cursos de universidades públicas sem alunos, sem estrutura adequada, sem professores assíduos. Enquanto isso, de cada R$ 100 arrecadados no Brasil, R$ 57 ficam com o governo federal, R$ 25 com os 26 estados e o Distrito Federal e apenas R$ 18 com os 5.700 municípios.

Aos estados e municípios cabe a educação básica, área em que está o grande problema da educação brasileira – o número de alunos é infinitamente superior aos da educação superior e a verba é infinitamente menor. Sem resolver o problema na base, oferecendo escolas com infraestrutura decente, com professores bem-remunerados e motivados, precisaremos maquiar as universidades para dizer que estamos avançando na educação. E o pior: precisaremos de metas ridículas para justificar esse avanço.

Menelau Júnior é professor de português

OPINIÃO: Instrumentação cirúrgica: quem paga esta conta?

Por CADRI MASSUDA*

Nos últimos anos, a instrumentação cirúrgica vem situando-se como peça importante na equipe para a realização de procedimentos médicos. Apesar de ter alcançado este reconhecimento, ainda há muito o que ser ajustado.

Assim como cresce o trabalho deste profissional na equipe, os problemas em relação a ele têm aumentado, principalmente porque não há ainda uma forma adequada de remuneração. As tabelas de honorários médicos (CHPM ou AMB) que são adotadas pela maioria dos convênios médicos, não contemplam estes pagamentos.

Há alguns anos atrás, a Associação Médica Brasileira tentou normatizar, indicando que o valor deveria ser de 10% do valor da cirurgia. Entretanto, há uma insatisfação do profissional quanto a estes valores, pois em alguns casos é uma remuneração não condizente com o trabalho realizado e isto faz com que ninguém o pratique.

Essa ausência de regulamentação resulta em grandes discrepâncias de cobranças e falta de padronização. Alguns exigem pagamento antes do procedimento, outros permitem que seja após. Em determinados casos, o médico recebe os honorários referentes à instrumentação, em outros, é o hospital. E os valores variam de forma absurda: há profissionais que cobram até 400% a mais do que outros.

Muitas vezes, cirurgias são desmarcadas ou adiadas porque o paciente – segurado de um plano de saúde – não acha justo este pagamento. E então, ocorre o conflito “instrumentador x segurado x plano de saúde”. Na maioria dos casos, o beneficiário realiza o pagamento para depois ser reembolsado pelo convênio.

Entretanto, a falta de regulamentação prejudica a todos os envolvidos neste processo: operadoras de planos de saúde que não podem contar com a uniformidade dos valores cobrados, os próprios instrumentadores que não têm legislação que garanta seus direitos e pacientes, que precisam arcar com despesas obrigatórias mesmo contando com plano de saúde.

É necessário que ANS, associações médicas e entidades de classe que representam os profissionais de instrumentação cirúrgica entrem em acordo para que a lacuna seja preenchida e que haja regulamentação. Assim, as operadoras de saúde poderão fazer o pagamento devido a esses profissionais que são fundamentais na rotina médica e os pacientes poderão ficar tranquilos de que não terão despesas extras na hora de realizar um procedimento cirúrgico.

*Cadri Massuda é presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo Regional Paraná e Santa Catarina

Opinião: Cadê o sotaque?

Por Menelau Júnior

Nos últimos dez dias, os programas jornalísticos deram uma atenção especial ao Rio Grande do Sul por causa de um episódio envolvendo a torcida do Grêmio. Não deve ter sido difícil perceber a pronúncia diferente dos jornalistas de lá quando usam palavras com a letra “r” no fim de alguma sílaba. “Porta”, “corpos” e “marcas” são apenas algumas.

O “r” pronunciado à moda sulista recebe o nome de “retroflexo”. É bastante comum também no interior de São Paulo. Quando um morador dessas áreas é entrevistado, logo se percebe a pronúncia “enrolada” da letra “r”. Mas por que normalmente os jornalistas tendem a não apresentar essa marca regional de forma tão contundente?

A resposta é simples: porque a maioria das redes de televisão tenta, com a ajuda de fonoaudiólogos, extirpar qualquer marca de regionalismo dos repórteres. Para muitas dessas redes, o “r” retroflexo é visto como algo “caipira”, “matuto”. Mudar a pronúncia é, pois, uma exigência para estar no ar em rede nacional.

O resultado, muitas vezes, soa esquisito. É estranho para um gaúcho ouvir um conterrâneo que fala sem as marcas linguísticas da região. No Rio, as TVs retiram o “s” chiado; no Nordeste, evita-se a fala meio “cantada”.

A intenção, óbvio, é uniformizar a língua. Vã tentativa. O idioma muda invariavelmente. Querer que  repórteres falem da mesma forma de norte a sul é como querer que todos os brasileiros pensem do mesmo jeito e tenham os mesmos hábitos. Esses falares regionais, que são marcas identitárias do povo, só aparecem na TV de forma estereotipada, principalmente no caso dos nordestinos.

A língua muda conforme suas próprias necessidades. As variações, muito mais que marcas de desorganização, constituem a base de todas as línguas, conferindo-lhes riqueza e soberania. As tentativas de uniformizar os falares são, portanto, artificialidades que a nada levam e que em muito prejudicam a identidade do povo. Mais importante que retirar à força as marcas regionais dos jornalistas seria dar-lhes autonomia para dar às reportagens a “cara” de cada região. E isso está intimamente ligado à forma como falamos.

Menelau Júnior é professor de língua portuguesa.