Flávio Bolsonaro dá versões falsas sobre extrato bancário e compra de imóveis

O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) apresentou versões falsas ao falar sobre a investigação contra seu ex-assessor Fabrício Queiroz e duas transações imobiliárias.

O extrato bancário do senador não foi exposto na televisão e ele não comprou duas quitinetes em Copacabana com proprietários “loucos para vender”, como disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

“Por que estão querendo agora pedir autorização para quebrar meu sigilo bancário se meu extrato já apareceu na televisão? Eles querem requentar uma informação que eles conseguiram de forma ilegal, inconstitucional”, disse o senador, filho do presidente Jair Bolsonaro, em relação ao primeiro ponto.

Flávio se refere a um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que apontou duas movimentações atípicas na sua conta bancária. O documento foi revelado pela TV Globo em janeiro.

Neste episódio, tanto não houve divulgação de extrato bancário como as comunicações do Coaf não podem ser consideradas quebra de sigilo bancário.

Conforme as decisões da Justiça até agora, a mera solicitação de manifestação do Coaf não constitui “necessariamente risco de obtenção de informações protegidas por sigilo fiscal e, portanto, independente de prévia autorização judicial”, como apontou julgamento em 2017 no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O senador já tentou por duas vezes paralisar na Justiça as investigações do caso Queiroz, sob o argumento de quebra de sigilo bancário ilegal. Perdeu tanto no STF (Supremo Tribunal Federal) como no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Uma comunicação apresentada pelo Coaf sobre Flávio se refere a 48 depósitos sequenciais de R$ 2.000 em espécie em sua conta bancária entre 9 de junho e 13 de julho.

O senador afirmou que esses valores se referem a uma parcela do pagamento que recebeu em dinheiro pela venda de um imóvel no período e que foram depositados por ele mesmo num caixa eletrônico. A versão foi corroborada pelo comprador, o atleta Fábio Guerra. A escritura da transação, porém, aponta uma divergência de datas e registra que o sinal foi pago meses antes.

A outra comunicação se refere ao pagamento de um título bancário de R$ 1 milhão à Caixa Econômica Federal. Ele disse que quitou um financiamento com o banco nesse valor neste período, com recursos da mesma transação feita com Guerra. Documentos registrados em cartório confirmam a versão.

O Ministério Público do Rio de Janeiro vai pedir a quebra de sigilo bancário de Fabrício Queiroz e estuda a mesma medida em relação a Flávio Bolsonaro.

O ex-assessor se tornou alvo de investigação em janeiro de 2018 após o Coaf apontar uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão em sua conta bancária. Além do volume, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo.

As transações ocorriam em data próxima do pagamento de servidores da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), onde Flávio exerceu o mandato de deputado por 16 anos.

Em fevereiro, Queiroz admitiu que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem o conhecimento do então deputado.

A reportagem apurou que o caso é visto no Ministério Público como num estágio inicial de investigação, embora há quase 500 dias em curso. Uma das dificuldades apontadas é a falta de vínculo direto entre as comunicações do Coaf sobre Queiroz e o senador.

A versão dada por Queiroz, na avaliação de investigadores, já dá brecha para o oferecimento de ação civil pública contra ambos. A apuração, contudo, visa confirmar ou não as explicações oferecidas pelo ex-assessor.

Em relação aos imóveis de Copacabana, o senador omite a participação de um intermediário na venda que, anos depois, foi acusado de ter aplicado um golpe nos reais proprietários.

Como a Folha de S.Paulo revelou em janeiro, Flávio lucrou R$ 813 mil com a transação relâmpago de dois imóveis. As operações de compra e venda realizadas pelo filho do presidente têm características consideradas suspeitas de lavagem de dinheiro, segundo critérios do Coaf.

Em novembro de 2012, Flávio adquiriu dois imóveis em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro. Localizados em ruas pouco valorizadas do bairro, pagou um total de R$ 310 mil pelas duas quitinetes e as revendeu, um ano e três meses depois, por mais que o triplo do preço.

Os dois imóveis haviam sido adquiridos em 2011 pelos proprietários anteriores por um total de R$ 440 mil. Em pleno boom imobiliário na cidade, eles tiveram um prejuízo de 30% ao revendê-los ao senador eleito, segundo dados do 5º RGI (Registro Geral de Imóveis) da capital do estado.

O deputado revendeu um imóvel em novembro de 2013 (por R$ 573 mil) e outro em fevereiro de 2014 (por R$ 550 mil). Somadas, as transações lhe renderam um lucro de R$ 813 -diferença entre os R$ 310 mil investidos nas compras e o R$ 1,12 milhão que recebeu com as vendas.

“Ué, eu consigo comprar mais barato e estou sendo julgado por isso? Eles [proprietários] estavam loucos para vender, eu estava com algum dinheiro para comprar e revender”, disse o senador sobre as transações.

Os responsáveis pela transação com Flávio, contudo, não foram os proprietários do imóvel, mas o corretor norte-americano Glenn Dillard. Ele tinha uma procuração de Charles Eldering e Paul Maitino, reais donos das quitinetes, para negociar imóveis no Rio de Janeiro.

Em 2016, Eldering acusou Dillard na Justiça de ter lhe aplicado um golpe. Ele declarou que o corretor vendera a unidade a Flávio sem o seu consentimento, omitiu a concretização da negociação e ficou com o dinheiro.

Dillard tinha, contudo, procuração para realizar as vendas. Flávio não é acusado no processo já que o corretor tinha poder para fazer as transações.

Eldering afirma que foi vítima do mesmo golpe com outros quatro imóveis, segundo declarou à Justiça. Dois deles tiveram transações em datas semelhantes aos de Flávio.

Em ambos, o norte-americano vendeu por valor maior do que havia comprado anteriormente, diferentemente do que ocorreu com o senador eleito.

Maitino não processou Dillard. Mas a reportagem apurou que ele se diz vítima do mesmo golpe.

Folhapress

Pedro Augusto é jornalista e repórter do Jornal VANGUARDA.

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