OPINIÃO: As raízes da crise egípcia

Por EMIR SADER*

A chamada “primavera árabe” foi, de forma afoita, chamada por alguns de uma revolução. Foi muito importante, principalmente porque quebrou um eixo fundamental da política dos EUA para a região – a ditadura de Mubarak. Não por acaso o país ocupa o segundo lugar na lista de receptores de apoio militar dos EUA, só superado por Israel.

Mas como fenômeno político, foi a vitória de uma luta antiditatorial. Permitiu que novas forças laicas aparecessem, somadas à força mais tradicional da oposição à ditadura – os islâmicos, organizados na Irmandade Muçulmana.

As eleições tiveram o triunfo dos islâmicos, que derrotaram, por estreita margem, no segundo turno, um candidato ligado à ditadura do Mubarak. Eleito Morsi, foi convocada uma Assembleia Constituinte, com maioria islâmica, mas um peso importante das novas forças laicas.

O erro mais grave de Morsi foi permitir que fosse elaborada e aprovada uma Constituição conforme os valores islâmicos, que impõe esses seus valores ao conjunto da sociedade, dividida entre forças islâmicas e laicas. Somada à crise econômica – que promoveu uma forte pressão do FMI para a aceitação de um empréstimo, com a correspondente Carta de Intenções, que Morsi rejeitou, consciente do que significaria para o país, mas sem elaborar alternativas – o Egito se viu envolvido em nova onda de mobilizações, agora contra sua administração.

Sucederam-se as mobilizações gigantescas, dos dois lados, a favor e contra o governo, numa situação de empate político. Que foi desempatado pela ação do Exército, que tinha sobrevivido incólume ao fim da ditadura e agiu para derrubar o governo do Morsi.

Um golpe militar, mesmo se com apoio popular. Setores que haviam se mobilizado saudaram o golpe, acreditando que poderiam derrotar os islâmicos e acercar-se ao poder.

Mas a capacidade de resistência dos islâmicos terminou rapidamente com essa ilusão. A repressão militar não se fez tardar e a polarização entre o Exército e a Irmandade Muçulmana se impôs.

Os EUA, incomodados, porque têm no Exército seu principal aliado – por isso Obama não pode usar a palavra golpe, porque estaria obrigado a suspender os auxílios militares ao Exército – não podem aparecer publicamente apoiando a interrupção de um processo democrático, mas tampouco podem condenar o regime.

O pior dos mundos se impôs: militarização do país – com o estado de sítio e a nomeação de governadores ligados ao militares nas províncias – e resistência dos islâmicos, com os setores laicos deslocados.

A primavera egípcia desembocou neste outono.

* Extraído do Blog do Emir

OPINIÃO: Democracia representativa e participação

Por MARCUS PESTANA*

Um tsunami de cidadania, indignação e participação explodiu nas ruas em junho e julho. De forma inesperada e imprevisível, surpreendeu lideranças políticas e sociais, intelectuais, analistas. O esforço para a compreensão do impressionante e inovador fenômeno ainda vai consumir rios de tinta em artigos, entrevistas e estudos. Algumas coisas importantes foram escritas por FHC, Fernando Gabeira, Luiz Werneck Vianna, André Lara Resende, entre outros. Uma das questões mais interessantes, mas não propriamente nova, é a recolocação no Brasil, em novo patamar, das discussões sobre as relações entre Estado e sociedade e as dimensões de representação e participação direta na democracia.

Instituições, partidos políticos e lideranças reagiram, num primeiro momento, de forma atabalhoada, acuados e traumatizados. Algumas mudanças foram introduzidas, alguns avanços conquistados. Mas o mais importante foi a verdadeira chacoalhada na realidade dominada, até então, por uma impressão de que tudo ia bem no país e que a hegemonia petista, cada vez mais pragmática e sem conteúdo transformador, sustentada no mais puro patrimonialismo e fisiologismo, teria vida longa.

Da sua parte os movimentos de rua apresentaram no “day after” uma natural dificuldade de fixação de agendas e de representação para a construção do diálogo com governantes e instituições.

Não houve um único movimento, como foram o das “Diretas Já” e o pelo afastamento de Collor. Foram múltiplos movimentos, expressando angústias e expectativas diversas, multifacetados, sem agenda ou dinâmica únicas, espontâneos em seu inicio. Cidadãos independentes, jovens sem vinculações, famílias inteiras se misturaram a skinheads, anarco-punks, black blocs, militantes “clandestinos” de diversos partidos rechaçados em suas tentativas de participação aberta. Sem palanque, sem palavras de ordem unificadas, sem objetivo estratégico claro, sem um caminho previamente imaginado para a conquista de utopias perseguidas ou de plataformas políticas consensuais.

Além disso, é preciso não absolutizar o sentido e o significado do movimento, glamourizar todas as suas faces e permanecer perplexo e acuado quando valores essenciais para a democracia são agredidos. Vale lembrar que democracia é expressão da maioria, e que uma minoria ruidosa não pode impor sua lógica à maioria por vezes silenciosa. A violência defendida como instrumento legítimo por alguns segmentos, por exemplo, não obteria sequer 1% de apoio em eleições livres e democráticas.

Diante de um fenômeno novo que abalou profundamente o status quo, a precipitação de intervenções eivadas de populismo, demagogia e oportunismo é escolha equivocada, como suposta “resposta às ruas”. A democracia e a economia brasileira amadureceram muito nas últimas décadas e é preciso firmeza e solidez para defender o patrimônio coletivo conquistado. Evidente, com as necessárias e inevitáveis correções de rumo.

* Marcus Pestana é presidente do PSDB de Minas Gerais e deputado federal. Texto publicado originalmente no site Congresso em Foco.

OPINIÃO: A dor da injustiça

Por GABRIEL CHALITA*

Há algum tempo, escrevi um artigo sobre a dor da injustiça. Uma reflexão a respeito de valores éticos fundamentais para a harmonia nas relações humanas. O tema, no entanto, é atual e válido de ser repensado.

Diariamente, aprendemos e ensinamos. Estamos todos matriculados na escola da vida. E, nessa escola, com humildade, amadurecemos. Basta que prestemos atenção no outro, em sua dor e em sua capacidade de superação. E que prestemos atenção em nós mesmos e na necessidade de sermos justos.

Certa vez, ouvi o depoimento de uma cozinheira acusada de ter furtado uma pulseira de ouro. Entre lágrimas, ela tentava convencer a patroa de que jamais havia cometido aquele delito. A mulher, por sua vez, dizia que as lágrimas eram uma forma de esconder o furto.

Em dado momento, a funcionária não mais insistiu. Na solidão da injustiça, entrou no quarto para arrumar suas coisas. Chorou sua história de dor e de necessidade. Enquanto a patroa afirmava que não a denunciaria desde que ela não a atormentasse na Justiça, entrou a filha pedindo um sanduíche. No pulso esquerdo, a pulseira. Foi quando a funcionária chorou ainda mais. Como dói a injustiça! A patroa, rispidamente, disse a ela que parasse com o choro e voltasse ao trabalho. Fora apenas um mal-entendido. Recomposta, a cozinheira agradeceu e disse que nada mais tinha a fazer naquela casa.

Sem muito alarde, ela saiu e, no dia seguinte, arrumou emprego num restaurante. Tudo aconteceu em um grupo de oração. O padre pediu que as pessoas se cumprimentassem e se apresentassem. A senhora ao lado disse que tinha um restaurante, e ela contou que era cozinheira. Uma nova vida começou.

Assim como ouvi esse testemunho, ouço muitos outros que servem de inspiração para que aprendamos a ser justos. A história dessa mulher nos ensina a ter mais delicadeza nas relações. É triste sofrer a dor da injustiça. Todos nós erramos, mas, se tomarmos um pouco de cuidado, nosso erro não será tão doloroso ao outro nem a nós mesmos.

* Gabriel Chalita é deputado federal pelo PMDB-SP. Texto publicado originalmente no Diário de S. Paulo.

OPINIÃO: As mudanças climáticas e a tarefa da sociedade de cobrar atitude do poder público municipal

Por MARCELO RODRIGUES

Até mesmo os mais incrédulos já concordam: a temperatura do planeta está subindo e a maior parte do problema é provocada por ações do homem.

O fenômeno das alterações climáticas hoje em curso tem afetado a Terra de diversas formas, obrigando governos e sociedades a criarem estratégias para fazer frente a seus efeitos, muitas vezes devastadores, pois o aumento da frequência e da intensidade dos eventos climáticos extremos nas zonas urbanas dos países em desenvolvimento elevou o patamar do debate público mundial sobre as catástrofes ambientais.

As alterações da dinâmica do clima atribuídas à ação do homem, somadas à urbanização crescente e desordenada, são apontadas como as causas principais da dilatação do cenário de riscos naturais aos quais a sociedade moderna está exposta. Conhecer, portanto, a dimensão das vulnerabilidades dos assentamentos humanos tornou-se passo fundamental para a adoção de medidas mais abrangentes e efetivas de prevenção e redução dos danos socioeconômicos e ambientais causados por essas adversidades.

O Brasil instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), por meio da Lei Nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que define o compromisso nacional voluntário de adoção de ações de mitigação com vistas a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE). Portanto, é importante instrumento para impulsionar o Estado brasileiro a combater o aquecimento global e surge em um cenário pós-Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas de Copenhague, que reclama por maiores ações governamentais nesta área. É fundamental destacar, no âmbito dessa nova lei, a adoção de programas de gestão pública socioambiental por parte do governo brasileiro, quando a lei preceitua como instrumento da política nacional de mudança do clima as medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem o desenvolvimento de processos e tecnologias que contribuam para a redução de emissões e remoções de gases de efeito estufa, bem como para a adaptação.

As normas internacionais também trazem regramentos no mesmo sentido, a exemplo do disposto no Capítulo IV da Agenda 21, que indica aos países o “estabelecimento de programas voltados ao exame dos padrões insustentáveis de produção e consumo e o desenvolvimento de políticas e estratégias nacionais de estímulo a mudanças nos padrões insustentáveis de consumo”, bem como o Princípio 8 da Declaração da Rio-92 ao afirmar que “os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e consumo e promover políticas demográficas adequadas”, e ainda a Declaração de Johannesburgo, que institui a “adoção do consumo sustentável como princípio basilar do desenvolvimento sustentável”.

Muitas iniciativas de governo procuram medidas para a redução das emissões dos gases de efeito estufa (GEE), seja por meio de ações que incluam a elaboração do inventário desses gases ou a promoção de programas e políticas para contenção das mudanças climáticas. Regulamentação adequada e estímulo a uma atuação responsável em relação ao clima, incluindo-se variáveis que destaquem a mitigação e remoções de GEE, só são possíveis quando o agente conhece o perfil de suas emissões por intermédio do inventário.

O inventário consiste em uma etapa do processo de planejamento que revela o estado atual dos níveis de emissão e respectivas fontes. Para tanto, são analisadas as diversas fontes de emissão de GEE e estimadas as respectivas emissões de gases, obedecendo-se a uma sistemática que inclui a maior parte das emissões decorrentes das atividades socioeconômicas no município.

Um inventário de GEE bem estruturado e gerido serve a vários objetivos, desde a gestão de riscos de emissões de GEE até a identificação de oportunidades de redução, passando por estímulo a programas voluntários de redução ou remoção de GEE, aprimoramento regulatório, reconhecimento de pioneirismo e antecipação de medidas.

Já a elaboração de cenários tem como finalidade o auxílio no processo de planejamento de forma a subsidiar ações que tenham um impacto nas políticas públicas e estratégias de governo. São ferramentas que auxiliam no entendimento de um “potencial de futuro” para que os tomadores de decisão possam, sob incertezas, decidir os caminhos e ações necessárias no longo prazo.

No caso de Cenário de Emissões dos Gases de Efeito Estufa, a finalidade é a identificação das emissões futuras (cenário de linha de base), e identificação e quantificação das ações de mitigação (cenários alternativos), considerando diversas estratégias.

Portanto, no âmbito municipal, a principal questão metodológica enfrentada é a delimitação da abrangência do estudo, tanto do inventário como dos cenários, de forma que reflita aquelas emissões que correspondem às atividades socioeconômicas de responsabilidade do município na totalidade das atividades potencialmente poluidoras.

O inventário reforça a ideia de que, independentemente do porte do município, os mesmos problemas ambientais, em geral, se fazem presentes, de forma sistemática, porém em escala e relevância distintas. A ausência de políticas públicas ambientais com um olhar de um novo imperativo ético, que é desenvolver as cidades com sustentabilidade, com respeito as presentes e futuras gerações, não é o forte da maioria dos gestores municipais no Norte-Nordeste, que relegam o marco regulatório e as consequências advindas das mudanças climáticas.

marcelo rodrigues
Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente do Recife na gestão João da Costa (PT). É advogado e professor universitário.

OPINIÃO: Dilma insiste no erro

Por MAURICIO DIAS*

Os aliados reclamam por ela não fazer política. Os adversários criticam por fazer política demais. Ela sofre restrições na base governista, onde se diz que a presidenta não gosta do partido dela, o PT, e menos ainda dos coligados: um amontoado de 14 legendas unidas por todos os tipos de interesses. Inclusive os legítimos.

Condenada pelos oposicionistas por contar com 39 ministérios para atender partidários, vê repentinamente o PMDB, cujo maior líder é o vice-presidente da República, Michel Temer, propor a redução do número de ministros para atender o que pensa ser a voz das ruas. Um jogo de cena explicável. Estava escrito. Os dois maiores partidos da base governista, PMDB e PT, entrariam em choque em busca da maioria na Câmara na eleição de 2014.

Há erros e acertos nessas versões criadas a partir de verdades e mentiras que cercam o modelo de Dilma Rousseff governar após dois anos e meio de poder. Duas palavras podem compor o lema dela: seriedade e inexperiência. Ela paga por ambas. Por essas e outras razões vem sendo tragada pelo próprio ambiente que a elegeu. Essa moldura se consolidou no momento em que as manifestações deixaram de ser virtuais.

Nos últimos dias, a presidenta aplicou um “sossega leão” nos aliados. Liberou 2 bilhões de reais do Orçamento para senadores e deputados. Com isso, espera manter vetos feitos à supressão de 10% de multa sobre o FGTS na demissão sem justa causa de trabalhadores. Há, ainda, a MP do “Mais Médicos” e a questão dos royalties do petróleo.

Dilma sempre fez política. No começo, contra a ditadura. Perdeu. De volta, filiou-se ao PDT de Brizola. Migrou para o PT, pelo qual disputou a Presidência. Ganhou. Apesar da autoridade do criador, Lula, a criatura não desceu redonda pela goela dos aliados. Em alguns momentos, ela tentou mudar o rumo das coisas. Ora negociou, ora impôs. Ora contida, ora agressiva.

Ao fim, o saldo neste momento não é bom. Eleita em uma disputa na qual teve de escamotear convicções, como no caso do aborto, foi mudada em vez de mudar.

Logo nos primeiros meses de governo afastou ministros acusados de “malfeitos”, para usar uma expressão cara à presidenta. Os atingidos engoliram a seco.

A queda na popularidade, no ponto em que a economia está, enfraqueceu a autoridade dela perante aliados rebeldes de setores petistas.

Olhando com lupa é possível ver a diferença numérica na ascensão e na queda dela. Dilma obteve 48% dos votos nominais no primeiro turno da eleição de 2010. Chegou a ter, no ápice do sucesso, uma avaliação de 65% de “ótimo e bom”. Isso significa que, ao longo do governo, ganhou 17 pontos a mais do que teve na eleição. Na queda, perdeu 18 pontos do primeiro turno e mais 17 pontos que tinha conquistado no segundo, quando alcançou 58% dos votos válidos.

No balanço de prós e contras, neste momento, ela perde o confronto. Cercada, ela cedeu. Agora defende o modelo que nasceu da sua entrega. A insistência, no caso, é fatal.

* Mauricio Dias é jornalista, editor especial e colunista da revista CartaCapital.

OPINIÃO: Criticar governo, sim. Capitalismo, nunca

Por NIRLANDO BEIRÃO*

Dá para notar que os protestos de rua estão perdendo a mística, o encanto, para quem está do lado de lá deles – digo, a mídia oligárquica e, por extensão, aquela facção ameba, mais influenciável, da chamada opinião pública. Mais do que perder o fascínio, as manifestações começam a provocar descrença e irritação, como se a explosão espontânea e legítima das massas estivesse sendo agora apropriada por uns grupelhos descabelados de radicais e arruaceiros.

Não tenho mais idade para me regozijar com cenas de depredação, mas me irrita a hipocrisia dos que aplaudiam antes e agora criticam. Tenho até um pequeno, descompromissado palpite, a respeito desse divórcio que se deu entre o momento em que o protesto era uma beleza e o momento em que o protesto passou a ser um horror. Nada melhor, aliás, para balizar essa reviravolta, do que a cobertura, sempre tão isenta, sempre tão imparcial, do jornalismo eletromagnético da Globo e a dos dinossauros de papel.

Meu palpite me diz: enquanto a raiva se voltava contra o governo e os governantes, “essa infâmia de políticos corruptos”, “a dona Dilma”, “a turma do mensalão”, aí o partido da mídia se deliciava. As multidões ululantes vociferavam, justificadamente, contra a péssima qualidade dos serviços públicos, primeiro os transportes, depois a saúde, e a educação, e a segurança, e tudo o mais, se é por aí, ok, perfeito, abaixo os podres poderes, o Estado é o mal maior.

De repente, a agenda parece ter se ampliado. Se é para discutir a indigente situação dos serviços públicos no Brasil, por que não se ocupar também da sofrível – para dizer o mínimo – prestação de serviços privados?

Existe tão grande diferença assim entre o malfalado SUS e certos hospitais particulares onde o paciente é obrigado a pagar fortunas?

As universidades particulares, com suas mensalidades que pesam uma tonelada no bolso, são exemplos da excelência pedagógica de Harvard e de Cambridge?

E os serviços de telefonia, fixa e móvel?

E as filas dos bancos, aquilo lá é um exemplo de respeito ao cidadão?

E as companhias aéreas, com seu sistemático desrespeito ao viajante, sem falar dos golpezinhos que costumam dar em seus sites de contravenção?

Penso na indústria nacional, obsoleta, atrasada, sem nenhuma musculatura física ou criatividade mental para competir no mundo, indústria cujos produtos são um lixo (ressalvo os aviões da Embraer e as sandálias havaianas), incapaz de inovar tecnologicamente (que inveja da Coreia!), sempre queixosa, abúlica, pondo da culpa nos impostos e na infraestrutura.

Ah, e há o espinho que mais dói. Os rebeldes da rua – os que ainda estão aí – insistem em debater também a péssima qualidade da informação que se produz e se veicula no Brasil. Por isso as emblemáticas manifestações à porta da Globo, por isso a saudável insistência em desconfiar do viés partidário e, mais uma vez, eleitoreiro dos veículos que dizem falar em nome do povo.

Nesse Brasil de frases feitas e ideias curtas, o culpado é, tem de ser, sempre o governo e os políticos, mesmo que eles sejam eleitos por nós e mesmo sabendo-se que sem política não há democracia.

A mídia oligárquica nunca foi muito chegada à democracia. Menos ainda ao povo. A tarefa dela, agora, é tentar dizer que há povo e povo. Aquele que manifesta com as ideias das quais a gente gosta deve ser respeitado. Aquele de quem a gente discorda não passa de um bando de vândalos.

* Nirlando Beirão é editor especial da seção QI da revista CartaCapital.

OPINIÃO: O anzol e o peixe

Por MAURO SANTAYANA*

Uma boa notícia: o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal brasileiro cresceu 47,5% entre 1991 e 2010, segundo o “Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil-2013”, divulgado pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Com isso, o IDHM geral do Brasil mudou de “muito baixo” (0,493), em 1991, para “alto desenvolvimento humano” (0,727), em 2010. Em 2000, o IDHM geral do Brasil era 0,612, ou seja, ainda considerado médio.

O IDHM não é a média do índice por municípios, mas cálculo feito a partir das informações do conjunto da população brasileira em relação a três indicadores: vida longa e saudável, acesso ao conhecimento e padrão de vida, este último determinado pela renda.

Segundo a publicação, alcançamos alto padrão quanto à longevidade e à renda, e padrão apenas “médio” quanto à educação. O dado não causa espanto uma vez que, em 2011, ocupamos o 88º lugar entre 127 países, segundo ranking elaborado pela Unesco – órgão da ONU dedicado à cultura e à educação.

Por sua vez, outro relatório, o de “monitoramento global”, indica que o Brasil foi dos países que mais aumentaram o investimento em educação, tendo um dos melhores programas de combate ao analfabetismo do mundo.

No geral, no entanto, os municípios que mais avançaram estão no Norte e Nordeste, o que indica que a renda da população mais pobre do país está mais alta, embora permaneça baixa com relação às regiões mais desenvolvidas, como a do Vale do Paraíba, em São Paulo, que está próxima à dos Estados Unidos.

Existe, no entanto, uma grande diferença entre acesso à educação – que se considera, no Brasil, a frequência à escola – e o acesso ao conhecimento.

Muitos alunos têm chegado às universidades públicas, religiosas e privadas, sem estar devidamente preparados – as últimas quase sempre mais preocupadas com o faturamento. Outros também tem tido acesso, com critério de seleção que não é muito rigoroso, a programas em que o Brasil investe muito, como ”Ciência Sem Fronteiras”.

Embora tenhamos universidades como a USP, considerada a melhor entre os países de língua portuguesa e espanhola, caímos seis posições no último ranking. Encontramo-nos ao lado do México, e atrás de algumas nações latino-americanas, como o Chile.

O Governo anuncia que pretende aumentar o número de escolas integrais, de 49 para 60.000 em curto espaço de tempo. É uma excelente medida, mas não basta retirar a criança da rua, seja assim, ou fazendo-a ajudar os pais, ao cuidar dos irmãos menores, enquanto eles trabalham.

É preciso aproveitar o tempo extra para que assimilem cultura, com teatro, leitura, artes plásticas, atividades que ensinem as novas gerações a pensar. Temos avançado – e precisamos caminhar muito mais – na melhora da qualidade de vida da população. Estamos aprimorando o sabor do peixe, mas precisamos ensinar o povo a pescar, por meio do conhecimento.

* Mauro Santayana é jornalista. Texto publicado no Jornal do Brasil.

OPINIÃO: O índice de transparência parlamentar

Por JORGE MARANHÃO*

Como se viu pelos noticiários esta semana, a presidente Dilma Rousseff acaba de autorizar nada menos do que R$ 6 bilhões para as famosas emendas parlamentares, aquelas que cada deputado tem direito para a realização de benfeitorias em seus redutos eleitorais. Isso, no mesmo momento em que contingencia mais de R$ 4,5 bilhões para a segurança nacional, o Ministério da Defesa.

Para além de não se entender para que serve o Estado, o problema, mais uma vez, é a transparência na utilização dessas emendas, frequentemente suspeitas de desvios ou o puro e simples favorecimento de aliados políticos, não importando muito as necessidades reais dos cidadãos.

Por isso, a mais recente iniciativa do Instituto de Fiscalização e Controle, o IFC, é ainda mais oportuna. O IFC acaba de lançar o sistema do Índice de Transparência Parlamentar. Para quem não sabe, o IFC é uma iniciativa de várias organizações da sociedade, como a Auditar, dos auditores externos federais, a Assecor, dos servidores de planejamento e orçamento, a Unasus, dos auditores do SUS, além das entidades de auditores e dos engenheiros e arquitetos da Caixa Econômica (respectivamente Audicaixa e Aneac). Ou seja, especialistas em controle e fiscalização de dinheiro público. E a missão da organização é justamente essa: criar iniciativas e projetos que levem aos cidadãos um pouco da expertise desses especialistas, para que eles também se tornem fiscais de mandatos e orçamentos públicos.

O Índice de Transparência Parlamentar foi desenvolvido para avaliar o quanto os políticos realmente estão preocupados em dar satisfação aos seus eleitores sobre o que fazem com os mandatos. Ou se estão apenas “fazendo cena”.

Através de sete quesitos principais, os cidadãos eleitores podem ter um bom panorama de como se comporta o político eleito em seu mandato. São eles: atuação direta do parlamentar (frequência, participação em comissões, prestação de contas de verbas indenizatórias e de gabinete), atuação indireta do parlamentar (indicações ao governo para cargos de gestão – secretário e administrador; indicações para a estrutura da casa legislativa), acessibilidade do site na internet (conteúdo em formato aberto, acessibilidade para portadores de deficiência, mecanismos eficiente para buscas), governança do mandato (divulgação do organograma de gabinete, incluindo as funções de cada servidor, do plano estratégico do mandato, das principais promessas de campanha, da agenda oficial, do cumprimento das principais promessas de campanha), controle social (disponibilização de canais para participação da sociedade, conselho de gestão com participação da sociedade organizada), prestação de contas do processo eleitoral (se divulga doadores de campanha, última declaração de imposto de renda e os gastos da campanha) e atuação nas mídias sociais (divulgação de ações e interação do político com os cidadãos nas mídias sociais).

Por enquanto, a fase inicial do sistema do Índice de Transparência Parlamentar está acompanhando os mandatos dos deputados distritais em Brasília. A plataforma já está sendo preparada para acompanhar vereadores dos municípios de Águas Lindas (GO) e Curitiba (PR). Para variar, os políticos brasilienses estão devendo. Na média, a Câmara Legislativa do Distrito Federal obteve apenas 3,6 pontos de transparência, numa escala que vai até 10. Com esta nota, não se passa hoje em nenhum concurso público por aí.

O que já passou foi a hora dos nossos políticos e gestores entenderem que dar satisfação do que fazem com o dinheiro público é um caminho que não tem mais volta. A luta da cidadania por transparência e ética na política veio para ficar.

Vale a pena conhecer a nova página do sistema do Índice de Transparência Parlamentar, do IFC. Quem sabe vocês não se animam a aplicar a ideia por outras cidades?

* Jorge Maranhão é publicitário, consultor e escritor. Atualmente dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão. Texto publicado originalmente no site Congresso Em Foco

OPINIÃO: Aterro sanitário

Por MARCELO RODRIGUES

Sabe-se que a geração de resíduos é uma ação inevitável no dia a dia do homem, seja para suprir suas necessidades básicas, seja para movimentar a economia e o comércio. Entretanto, existe a preocupação, em nível mundial, de reduzir a geração de resíduos pelo impacto que o descarte gera no ambiente.

O tratamento de resíduos é uma questão que sempre vem à tona quando se trata de dois assuntos que estão na ordem do dia: saúde e preservação ambiental. A quantidade de resíduos sólidos gerados no Brasil em 2011 totalizou 61,9 milhões de toneladas, 1,8% a mais do que no ano anterior, de acordo com dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2011, fornecidos pela Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), durante a 11ª Conferência de Produção Mais Limpa e Mudanças Climáticas da Cidade de São Paulo. Do total coletado, 42% do lixo acaba em local inadequado.

Ainda segundo o diretor-executivo da Abrelpe, Carlos Silva Filho, o crescimento de resíduos sólidos no período de 2010 para 2011 foi duas vezes maior do que o crescimento da população, que subiu 0,9% no período, sendo que, segundo o último censo do IBGE, em 64% dos municípios tudo é jogado em terrenos que não passam por nenhum tipo de controle: os lixões. Estima-se que 20% da população não dispõe de sistema de coleta de resíduos no Brasil. Os aterros estão presentes em apenas 13% dos municípios brasileiros, sendo que cerca de 60% dos resíduos totais coletados não têm destinação adequada e apenas uma pequena parte é reciclada, ou seja, o Brasil é responsável pela produção de 6,5% da produção de lixo no mundo.

Repensar a questão do lixo na sociedade é um passo importante para atingir reduções na quantidade de resíduos gerados. Economizar os recursos da natureza por meio da minimização, da reciclagem e de um trabalho transdisciplinar de transformação da sociedade é um meio de atingir um manejo eficiente dos resíduos, refletindo sobre essa necessidade de transformação da sociedade de consumo em uma sociedade consciente e sustentável. Faz-se necessário que a cultura do 3R seja incorporada na vida das pessoas e das organizações. Reduzir, Reutilizar e Reciclar são fundamentais para preservar a vida na terra. É preciso vencer primeiro essas etapas para depois descartar o lixo de forma adequada, completa.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei Federal nº 12.305/2010, que entrou em vigor no país em 2 de agosto de 2010, veio para exigir um grande esforço por parte dos estados e municípios para que seja viabilizado o cumprimento de todas as suas metas e programas. Para a execução da nova lei, urge necessário, inicialmente, que os municípios providenciem um diagnóstico para saber exatamente o volume de resíduos que são gerados diariamente e suas respectivas origens. A partir desses dados, será possível desenvolver os planos de resolução desses resíduos, como, por exemplo, a queima e geração de energia, compostagem, etc. Um dado importante é o componente financeiro do processo. Nesse diapasão, tem-se um problema muito sério que é a mistura do material orgânico com o material seco – existe uma contaminação. Se houver uma coleta seletiva mais eficiente e uma educação sobre o tema, pode-se ter uma melhor solução para esse problema. Precisamos educar a população 365 dias por ano sobre o tema. O cidadão precisa sentir-se participante do processo. Isso porque, se o povo não participar, não será possível atender as exigências da lei.

Com a política de resíduos sólidos, o país como um todo terá que se planejar sobre como tratar os resíduos em todas as esferas da sociedade. Os municípios deverão eliminar os lixões e implantar sistemas de coleta e reciclagem, além de atribuir responsabilidades reais ao gerador, sobretudo industrial, que deverá implantar sistemas de logística reversa. Dessa forma, cada um se responsabiliza por seu resíduo, envolvendo diretamente uma maior conscientização da população, que também cobrará mais rigor das autoridades responsáveis.

A disposição inadequada de resíduos sólidos – que num só tempo contaminam os recursos hídricos, o solo, o subsolo, o visual do ambiente e atraem seres humanos carentes e animais, além de serem vetores de doenças – é um problema presente em muitas localidades.

Para resolver essa problemática, o Brasil utiliza o sistema de descarte em aterro sanitário. O bom desempenho, sob os aspectos ambientais, técnicos, econômicos, sociais e de saúde pública, está diretamente ligado a uma adequada escolha da área de implantação, a qual envolve diferenciados critérios. A avaliação de critérios ambientais (características geotécnicas do solo, distância para os recursos hídricos superficiais, distância para os recursos hídricos subterrâneos, potencial hídrico, fauna e flora), de uso e ocupação do solo (titulação da área, distância dos núcleos populacionais, legislação municipal) e operacionais (economia de transporte, vida útil, espessura do solo, disponibilidade de infraestrutura, declividade) deve ser observada buscando satisfazê-los, mas sabe-se que, por outro lado, tem a agravante de contaminar o solo, um problema até então irreversível. A questão dos aterros sanitários centra-se no fato de que eles geram um líquido altamente contaminante, chamado de chorume, que tem alto poder de contaminar as águas subterrâneas. Além disso, o próprio aterro contamina o solo, deixando a área inutilizada para ocupação urbana futura.

A Lei Estadual Nº 11.899, de 21 de dezembro de 2000, regulamentada pelo decreto 25.574/2003, denominada de ICMS Ecológico ou “ICMS SocioAmbiental”, dá direito aos municípios que implementaram sistemas de tratamento de resíduos sólidos (e a consequente extinção dos lixões), assim como aos que mantêm unidades de conservação em seus limites territoriais, de receberem compensação.

Em Caruaru, algumas reflexões devem ser feitas: a primeira é a falta de compromisso da gestão em resolver de forma técnica e operacional o sistema do gerenciamento em conformidade com a lei de resíduos sólidos em toda sua plenitude, desde a coleta seletiva ao mapeamento dos maiores geradores de resíduos em nossa cidade. Em segundo lugar, há de ser indagado qual o montante que a cidade recebe de ICMS Ecológico anualmente e, por fim, quais os motivos de, nos últimos quatro anos, termos diminuído nossa parcela da aludida compensação. Ficam aqui as dúvidas e que venham os esclarecimentos.

marcelo rodrigues


Marcelo Rodrigues foi secretário de Meio Ambiente do Recife na gestão João da Costa (PT). É advogado e professor universitário.

OPINIÃO: Pela redução da jornada de trabalho

Por ADILSON LIRA*

É comum se ouvir de nossa própria gente que somos um povo preguiçoso e que as trabalhadoras e os trabalhadores pelo mundo afora têm jornada de trabalho maior que a nossa. Essa é a mais absurda mentira! Não acredite nisso. Temos no Brasil, ainda hoje, uma das maiores jornadas de trabalho do mundo – são 44 horas, sem contar as famigeradas horas extras, que são realizadas semanalmente por cerca de 40% dos/das trabalhadores/as no nosso país.

A jornada de trabalho na Alemanha, há muito, é de 38 horas semanais em média. Já na França e na Espanha, a jornada semanal não passa de 35 horas. Os Estados Unidos, desde 1930, têm jornada semanal de 40 horas. Até o Japão, que muitos brasileiros usam como exemplo de “povo trabalhador”, tem uma jornada menor que a nossa. Lá não se trabalha mais que 40 horas semanais.

Outro dado interessante de se analisar é o que trata da quantidade de horas extras efetuadas pelos trabalhadores brasileiros. Nada menos que 50% da nossa mão de obra empregada se submete ao trabalho em horário extraordinário, numa clara demonstração de que é possível empregar muito mais gente e parar de exigir jornada extra dos trabalhadores brasileiros.

Outra falácia que os donos do capital incutiram nas cabeças de nossa gente foi dizer que o Brasil tem muitos feriados. Bem, apenas como exemplo, volto a citar o Japão. Lá existem simplesmente 15 feriados nacionais. Eles também têm férias anuais.

Desmascaradas as falácias quanto a sermos um povo preguiçoso e que trabalha menos que o resto do mundo, queremos discorrer um pouco sobre a tese da redução da jornada de trabalho das atuais 44 horas semanais para 40 horas, sem a diminuição dos salários.

Em primeiro lugar, é interessante lembrar que o avanço científico e tecnológico não deve servir apenas para aumentar o lucro do capital privado, mas, principalmente, para reduzir a jornada de trabalho, permitindo aos trabalhadores e trabalhadoras dedicar mais tempo à família, à formação, à leitura e ao lazer (recreação, prática de esportes, cinema, teatro, etc.).

E não pensem que estamos falando de ideias de comunistas ou socialistas. Há cerca de 20 anos, um capitalista norte-americano (infelizmente não lembro seu nome para lhe dedicar o crédito) escreveu um artigo no qual defendia a redução sistemática da jornada de trabalho, principalmente devido ao avanço tecnológico e mecanização da mão de obra, pois, com a tecnologia aplicada ao mercado de trabalho, aquilo que era produzido numa empresa com 100 empregados, hoje é efetuado com apenas dez.

O capitalismo simplesmente demite os 90 trabalhadores excedentes. Porém, se queremos ter uma visão diferenciada de mundo e acabar com qualquer forma de exploração, devemos defender o inverso – ao contrário de demitir pessoas, reduzir a jornada de trabalho sem baixar os salários, afinal, o lucro permanece o mesmo ou até aumenta para o capital.

Portanto, defender a redução sistemática da jornada de trabalho é defender históricas bandeiras de luta da esquerda mundial, tais como liberdade, cidadania plena e justiça social. É isso. E tenho dito.

* Adilson Lira é advogado e dirigente do PT Caruaru.