Artigo: A coerência indonésia e as incoerências brasileiras

Por Tiê Felix

Num período de crise moral como se vive no Brasil a morte do brasileiro na Indonésia somente realça as questões candentes da ética nacional. Apesar de tudo o que lhe aconteceu naquele país extremamente rigoroso e da iminência de ser morto pela justiça, o brasileiro insistiu em oferecer um churrasco ao chefe da prisão num ato amistoso daqueles bastante comuns numa cultura do “deixa pra lá”.

É a história  um traficante profissional que passou anos e anos fazendo rotas de distribuição de drogas pela Europa e pela Ásia, achando que todos os lugares do mundo são iguais ao Brasil e pensando, provavelmente, que  bastaria uma conversinha qualquer para resolver seus problemas jurídicos.

Assim também fazem os nossos políticos. acham que basta apenas fazer uma cara de santo e de boa praça para que sua culpabilidade seja instaurada. Há quem até mesmo pense que são de fato inocentes. Em alguns lugares do mundo é inadmissível desfazer-se da lei; é ela que sustenta as relações sociais e a confiança nos negócios realizados em sociedade. Numa sociedade  em que a lei apenas é uma representação,  as relações sociais de modo algum nem sequer se aproximam do ideal proposto pela lei.

Pode-se questionar a pena capital e a ausência de recursos na Indonésia, mas não podemos aqui pensar que nossa democracia é eficiente, porque simplesmente os prisioneiros sabem que mesmo praticando qualquer crime hão de sair, assim como sabem  que possuem recursos “infinitos” para não sofrerem os efeitos da lei e de sua ilegalidade. O que lá na Indonésia parece excessivo aqui legitima a democracia ao avesso – os crimes simplesmente dificilmente são punidos de fato no Brasil, mas são punidos efetivamente na Indonésia.

Não se deve defender um moralismo excessivo, assim como não podemos considerar inaceitáveis o exercício da lei.

Tiê Felix é professor.