Por DANIEL FINIZOLA
Sete horas. O despertador já tocou e a função soneca já vai na quarta rodada. O sol entra tímido pela janela, o concreto do prédio ao lado não deixa ele imperar. A cara amassada se depara com mais um dia que acaba de chegar. Levanta, vai ao banheiro. Urina com uma mão no sexo e outra na parede, tentando olhar atentamente para não errar e ter que limpar o que já não está muito limpo.
Banho quente, espelho, dente e lá vem a lâmina, o segundo grande desafio do dia, já que o primeiro foi acordar! Ferro quebrado, roupa amassada e um pouco de perfume pra manter a vaidade. Na geladeira, algumas poucas coisas. A maioria com o prazo de validade um tanto… passado! E o resto não faz muito bem à saúde, já que a meta seria executar a primeira refeição do dia. Coca-Cola na veia, pão com um embutido dentro, e tá tudo certo.
Sai do seu cubículo de concreto, caminha pelo corredor cuja luz acende sozinha e encontra o elevador, aquele espaço que fertiliza imaginações eróticas e cômicas. O jovem porteiro achou massa a camisa do Pink Floyd. A mochila nas costas carrega o necessário para um dia longe do seu ponto de apoio denominado casa.
Agora chegou a hora de entrar em outra dimensão. Fone no ouvido. Um som depressivo, globalizado, progressivo ou pesado vai conduzindo o cidadão gradativamente a uma surdez. No metrô, além da música vetor, há o momento redes sociais via smartphone. Esse é o momento em que sorrisos motivados pela leitura das redes são distribuídos gratuitamente no metrô. Mas a questão é: ninguém vê esses sorrisos. Estão todos ocupados e solitários demais com seus celulares para erguer a cabeça no meio da multidão espremida na minhoca de metal.
No trabalho, a tristeza veste tanto quanto a farda, já que é difícil superar o poder que oprime a partir da necessidade de sobrevivência. O cheiro de batata frita e hambúrguer de fast-food engorduram sua perspectiva e entopem os meandros políticos que podem fazer a vida ter outro rumo. A cada cliente que se empanturra de valores, bacon, pão, queijo e verdura, o cansaço toma o corpo que, depois de horas, só pensa nas possibilidades e possíveis dificuldades que possam atrapalhar a volta para seu ponto de apoio.
A noite lhe cobre com fumaça de cigarro temperada com cerveja, lendo as certezas políticas, científicas, amorosas e filosóficas que só encontramos nas redes.
A cultura do cotidiano revela quem é esse homem moderno que se reproduz pelas grandes cidades do mundo. Cada vez mais solitário e com dificuldades de desenvolver relações culturais coletivas, além daquelas que a sobrevivência exige.
O cansaço, a má qualidade de vida, o calor do concreto, o frio, o som do dia e da noite fazem do cotidiano urbano um desafio físico e mental.
Até semana que vem!
@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br