Por DANIEL FINIZOLA
Durante o final do século XIX e início do século XX, vários intelectuais brasileiros começaram a questionar os nosso modelos culturais que viviam sob forte influência da efervescência europeia que antecedeu a Primeira Guerra Mundial. No Brasil, movimentos como a Semana de Arte Moderna (1922) satirizavam e buscavam construir um discurso de valorização e identificação da cultura nacional. Essa construção também foi envolvida por vários equívocos, mas que não é nosso objetivo debatê-los agora.
No campo da música, o samba vai se constituindo como símbolo nacional, estudado por vários intelectuais brasileiros no início do século XX. A aproximação com os yankees nos leva ao desenvolvimento de um estilo musical rebuscado, meio jazz, meio samba, entrando para história como Bossa Nova. A tal “Garota de Ipanema” ganhou o mundo e deu visibilidade internacional à música brasileira.
Lá pelos anos 70, do século passado, apareceu um disco que, no meu entender, é uma das melhores expressões da musicalidade brasileira que já ouvi. Sempre me chamou a atenção o balanço do violão associado a melodias geniais e letras que mesclam misticismo, história, cotidiano e amor. O título já faz referência a possibilidades de experiências e misturas, características que também marcam a história do Brasil e da sua música. Estamos falando do swing de Jorge Ben Jor – na época conhecido como Jorge Ben – e a sua magnifica “Tábua de Esmeraldas”.
Esse título faz referência aos textos que deram origem à prática da alquimia. Logo de cara, o disco começa com a música “Os Alquimistas”. Jorge Ben cria um composto musical com elementos que, ao longo do tempo, foram denominados de Samba Rock. O disco segue com “O Homem da Gravata Florida”, música que impressiona pelos detalhes da gravata descritos com uma maestria tropical e uma pitada de psicodelia.
A música “Errare Humanum Est” (errar é humano) nos leva a questionar o que há além do limite dos nosso olhos. Sem dúvida, essa música tem tudo a ver com o livro “Eram os Deuses Astronautas?”, do controverso escritor suíço Erich von Daniken, que levanta várias teorias sobre a chegada de extraterrestres em nosso planeta. Será? A música começa: “Tem uns dias / Que eu acordo / Pensando e querendo saber / De onde vem nosso impulso / De sondar o espaço”. Recentemente essa música ganhou uma nova versão com o projeto Almaz de Seu Jorge e alguns integrantes da banda pernambucana Nação Zumbi. Vale a pena conferir.
Um das musas do disco chama-se “Magnólia”. Segundo Jorge Ben, alguém que haverá de chegar na primavera voando em sua nave linda e veloz com forro de veludo rosa. O lado B abre com: “A Minha Teimosia é uma Arma pra te Conquistar”. Essa é uma daquelas músicas que você cantaria o dia todo para aquela paixão que não quer saber de você. “Zumbi” é uma faixa que emociona pela simbologia histórica que carrega. A música descreve a venda de escravos, o cultivo da cana, do café e do algodão, além da violência que se imprimiu à etnia negra. Essa música acabou sendo gravada por músicos de várias gerações. Em “Brother”, Jorge Ben declara seu amor e fé em Cristo, dando ao disco um ar sincrético e internacional, já que essa música ele canta em inglês: “Jesus Christ is my Lord, Jesus Christ is my friend”. A última faixa do disco, “Cinco Minutos”, ganhou uma releitura com Marisa Monte no seu aclamado disco “Memórias, Crônicas e Declarações de Amor” (2000).
Resolvi fazer esse texto porque, em 2014, “Tábua de Esmeraldas” completa 40 anos. Sem dúvida, um disco emblemático para a música brasileira. Então não perca tempo! Vamos comemorar essa obra-prima escutando “Os alquimistas estão chegando…”
Até semana que vem.
@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br