Por DANIEL FINIZOLA
A Lei Rouanet surgiu em 1991, no governo Collor, com o objetivo de fomentar a produção cultural no Brasil. Na prática, virou um engodo cultural que beneficia a poucos e exclui da produção cultural os que não detêm uma grande estrutura para fazer a captação de recurso.
Seguindo a lógica da Lei Rouanet, é muito pouco provável que uma comunidade quilombola tenha seu projeto cultural aprovado, ou pior, é menos provável ainda que essa mesma comunidade consiga romper com todas as barreiras burocráticas impostas pela lei. Segundo o Ministério da Cultura, apenas 14% dos recursos oriundos de renúncia fiscal são destinados para atividades como circo, pesquisa fotográfica, capacitação, cultura popular, cultura afro-brasileira, acervo e artesanato. Enquanto isso, consagrados artistas – que conseguem patrocínio facilmente – abocanham milhões via Lei Rouanet!
É bom deixar bem claro que ter seu projeto aprovado pela Lei Rouanet não significa ter a grana para a realização. Tudo vai depender do departamento de marketing da empresa financiadora, pois é este departamento que decide onde será aplicado o dinheiro público. A renúncia fiscal não agrega receita ao Estado e privatiza o recurso que poderia ser utilizado de forma mais democrática, ou seja, tudo funciona dentro de uma lógica neoliberal. Hoje, a Lei Rouanet é mais uma ferramenta de marketing privado, privilegiando uma linha mercadológica, e não funciona como uma ferramenta pública de promoção e inclusão cultural.
Ora, toda grande empresa tem um dinheiro destinado ao marketing. Se ela não investe esse dinheiro no marketing, já que é mais interessante a lógica de mecenato da Lei Rouanet (leia-se renúncia fiscal), para onde vai esse dinheiro? Quem ganha e quem perde com essa lei? Quem são as pessoas que passam a ter acesso à cultura por meio dessa lei? Só pra esclarecer, o Cirque du Soleil recebeu incentivos fiscais da lei e cobra ingressos que ultrapassam R$ 400. Quem pode pagar por esse ingresso?
E as distorções continuam! Ainda segundo o Ministério da Cultura, cerca de 70% do dinheiro proveniente da Lei Rouanet fica nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, sem contar que apenas 5% dos projetos aprovados são realizados. Hoje as empresas cada vez mais trocam a modalidade patrocínio por mecenato.
Na maioria dos casos os editais têm uma linguagem excludente que impossibilita o benefício da lei para grande maioria dos produtores de arte. Na prática, a lei gera mais desigualdade do que política pública de cultura.
Agora vejamos o resultado de anos de Lei Rouanet: apenas 14% dos brasileiros vão ao cinema uma vez por mês, 92% nunca frequentaram um museu, 93% nunca foram a uma exposição de arte, 78% nunca assistiram a um espetáculo de dança, 92% dos municípios não têm cinema. Grave, não?
Visando diminuir essas desigualdades culturais, o governo federal aposta no programa Mais Cultura, que debateremos em outro momento.
Até semana que vem, com o projeto Bon Vivant!
@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br.