Coluna: Ensinamos mal

Por Menelau Júnior

Vou direto ao assunto: a escola ensina mal. Muito mal. Os alunos do ensino fundamental são obrigados, logo nas séries iniciais, a aprender o que é sujeito e o que é predicado. Seguem-se a essa insanidade exercícios de classificação do predicado em “nominal”, “verbal” ou “verbo-nominal”. A professora pede ao menino de 8 ou 9 anos que classifique o predicado da oração, a supervisora elogia o trabalho e os pais acham que o menino é inteligente. Tudo patético assim.

As aulas de verbos são sofríveis. Ainda se ensina com a repetição de todas as pessoas gramaticais. “Eu faço, tu fazes, ele faz, nós fazemos…”. E, em muitos casos, os alunos recebem uma lista de quais verbos devem ser estudados para a prova.

Na hora de “aprenderem” substantivos, a preocupação é se Deus é concreto ou abstrato. Como se isso servisse para alguma coisa. Como se Deus precisasse dessa classificação para existir.

Não há nada mais anacrônico em estudo da língua do que essa preocupação exagerada com nomenclatura, com pormenores. As escolas acham que estão ensinando alguma coisa. E estão: nomes, nomes e nomes. Que geralmente não ajudam em nada! O resultado aparece mais evidente quando as crianças crescem: os jovens não sabem análise sintática – e sairão da escola sem saber. Eles não gostam de ler e acreditam que estudar português é decorar regras “que sempre têm uma exceção”.

A verdade é a seguinte: nos últimos anos, enchemos as escolas de teorias mirabolantes, de teses estapafúrdias e de muito pouca competência. E no caso da língua, quem sabe fazer a análise sintática de uma frase se sente no direito de “dar pitaco” sobre o ensino da língua. Saber português não é saber gramática!!!

As crianças, nas séries iniciais, deveriam ser estimuladas a contar histórias e a ler – a ler muito! Se a escola não perdesse tanto tempo achando que está ensinando português porque ensina alguns nomes talvez começássemos a ver algum resultado na competência linguística de nossos jovens. Precisamos urgentemente discutir programas e conteúdos – e alertar os pais para essa enganação da qual eles exigem participar!

Ninguém será competente no uso de um idioma se decorar a gramática deste idioma. Até mesmo porque cada língua tem sua gramática já estruturada. O que a escola tem feito é ensinar regras e nomes. E isso em nada contribui para o aprimoramento linguístico dos alunos. Enquanto eles não aprenderem a ler, de nada servirá separar o sujeito do predicado.

Menelau Júnior é professor de português

Coluna: A família e o Enem

Por Menelau Júnior

Pesquisadores da USP chegaram a uma conclusão: 80% da nota que um aluno obtém no Enem está diretamente relacionada a seu estilo de vida, e não à escola onde estuda. Traduzindo: alunos com mais condições financeiras têm, teoricamente, mais chances na hora da prova.

A constatação não é nova. Pesquisadores dos Estados Unidos já haviam chegado à mesma conclusão: a participação da escola em resultados de testes dessa natureza não é tão grande quanto se imaginava. Mas, antes que comecem a pensar que boas escolas e bons professores não fazem diferença, vamos compreender melhor esses resultados. Sem demagogia.

O que os pesquisadores constataram é meio óbvio: alunos com maior poder aquisitivo têm mais oportunidades de acesso à cultura. E aí se incluem viagens a museus, leitura de livros e revistas diversos, viagens e mais viagens com roteiros culturais. Famílias com mais condições financeiras dão mais condições para que seus filhos façam matérias isoladas, cursos de extensão, aulas de outro idioma. Adolescentes com melhores condições financeiras vão mais a teatros, a cinema, a livrarias. Passam mais tempo acessando a internet, relacionam-se com pessoas com grau de instrução geralmente mais elevado. Ou seja, têm uma vida que os direciona ao conhecimento que não está necessariamente nos livros didáticos. E isso faz muita diferença.

Além disso, esses jovens normalmente não precisam trabalhar, não passam horas em transporte público e têm tudo nas mãos. Com todas as condições favoráveis para que aprendam, a escola acaba não fazendo tanta diferença como se imaginava. Indubitavelmente ela ajuda, mas não é determinante.

Os resultados da pesquisa ainda precisam ser mais bem avaliados e discutidos. Entretanto, muito mais que colocar as escolas contra a parede, o estudo coloca uma responsabilidade gigantesca nas mãos das famílias. Não é o caso de pensar que dinheiro é tudo, mas seria bobagem negar que ele ajuda – e muito. O desafio é fazer com que esses alunos transformem as oportunidades que a vida lhes deu em conhecimento. É mais ou menos como o indivíduo que chega ao restaurante e encontra a mesa posta, com tudo de que mais gosta: os melhores pratos, os melhores vinhos e talheres banhados a ouro para adornar a refeição. O indivíduo só precisa pegar os talheres e levar o alimento à boca. Se não fizer isso, morrerá de fome, porque não haverá alguém para fazê-lo em seu lugar. É mais ou menos o que acontece com alguns alunos: têm tudo de que precisam para saciar o conhecimento. Só não conseguem sentir fome. Ficam a olhar a comida e não sabem o que fazer com ela. A escola pode até oferecer um bom cardápio, mas aperitivo não mata a fome.

Enquanto tantos alunos pobres conseguem superar as dificuldades e limitações que a condição financeira lhes impõe, outros desperdiçam o tempo negando-se a aprender. Pobres famílias ricas…

Menelau Júnior é professor de português

Coluna: Se vier noite traiçoeira…

Por Menelau Júnior

Existem certos hinos religiosos que ficam na cabeça na primeira execução. Como se fossem uma boa música pop, essas melodias “grudam” rápido, e a gente acaba saindo da igreja assoviando os acordes.

Impossível resistir aos versos “E ainda se vier noites traiçoeiras,/ Se a cruz pesada for, Cristo estará contigo/ O mundo pode até fazer você chorar,/ Mas Deus te quer sorrindo”. Imagino que aqueles que frequentam igreja conhecem bem a canção, já gravada até pelo padre Marcelo Rossi. Ótimo, a mensagem é bela, a melodia é inspiradora, mas o pessoal dos corais deveria ter mais cuidado na concordância verbal: o trecho “Se vier noites traiçoeiras” apresenta problema.

O engraçado é que a letra original não traz o termo “noite” no plural. Em sua origem, a canção diz “E ainda se vier noite traiçoeira”. Tudo bem assim: “noite traiçoeira” funciona como sujeito e por isso o verbo fica no singular. Ao usarem “noites traiçoeiras” junto à forma “vier”, os desavisados cometem deslize na concordância verbal. É como se estivessem cantando: “E ainda se noites traiçoeiras vier…”.

Portanto, líderes de corais, meu conselho: cantem muito essa música (é linda!), mas respeitem a concordância! Basta cantar: “E ainda se vier noite traiçoeira,/ Se a cruz pesada for…”. Tudo bem que Deus não esteja nem aí para regras gramaticais, mas não custa nada dar o bom exemplo àqueles que usam a língua portuguesa, certo?

Meus críticos ferrenhos vão dizer: “Herege! Fica olhando essas coisas até na hora de rezar!” Não é bem assim. Mas observar letras é hábito de quem gosta de ler. Perceber deslizes é quase inevitável. Deus há de perdoar a mim, que observo, e a quem canta errado, pois o faz sem maldade. Que Ele tenha piedade de nós… e da língua portuguesa.

Menelau Júnior é professor de português

OPINIÃO: A tática da pancadaria verbal

Por Menelau Júnior

As cartas estão lançadas. Mais uma vez, PT e PSDB disputam o mais alto cargo do executivo nacional. O resultado do primeiro turno, inesperado para quem apostava as fichas em Marina Silva, traz de volta um embate que ocorre há mais de duas décadas no país.

No primeiro turno, o que se viu foram reviravoltas espetaculares em menos de dois meses de campanha. Marina, logo após a morte de Eduardo Campos, despontou como favorita e chegou a desbancar Dilma em algumas pesquisas. Entretanto, o discurso da candidata do PSB, meio inseguro em alguns momentos, foi “desconstruído” pela máquina de ataque petista. Nunca na história desse país se viu uma campanha tão terrorista e mentirosa contra um candidato. Cada palavra de Marina passou a ser surrupiada pela tropa do PT, que agora volta sua agenda difamatória contra Aécio Neves.

Pernambuco e Caruaru responderam à altura ao jogo baixo. O PT foi praticamente banido do estado. Não fez um deputado federal, perdeu estaduais e levou uma surra de Paulo Câmara, uma vez que os petistas apoiavam Armando Monteiro. Pernambuco foi o único estado do Nordeste que não deu o maior número de votos a Dilma. Caruaru seguiu o modelo.

É óbvio que a morte de Eduardo Campos contribuiu para uma comoção eleitoral, mas é vigarice ideológica alegar que Paulo venceu apenas por causa disso. Enquanto Armando se preocupou em atacar, atacar e atacar, desqualificando a todo instante o “novato”, Paulo navegava na onda dos que, gratos a Eduardo e mais preocupados com propostas que com ataques, não viam necessidade de mudança. O PT, que já perdera de forma humilhante a prefeitura do Recife, levou uma surra eleitoral do governador e do senador Fernando Bezerra, uma vez que o petista João Paulo, candidato ao senado, também ficou de fora. Em outras palavras, Lula aqui em Pernambuco não tem essa “bola cheia” que muitos achavam.

O PSB de Paulo já declarou apoio ao candidato Aécio Neves, que já aparece à frente de Dilma em algumas pesquisas. Com 10 minutos cada um no guia eleitoral, o jogo fica mais disputado e Dilma perde seu grande trunfo: tempo para atacar, inflar números e contar algumas mentirinhas. Marina não tinha nem tempo para se defender. Aécio terá o mesmo tempo da candidata petista. Qual será a retórica do segundo turno? Quem herdará os votos de Marina? Só no dia 26 teremos resposta à segunda pergunta. Quanto à primeira, parece que pouca coisa mudou. A tática petista de atacar por meio de militantes e blogueiros está a todo vapor. Resta saber se o povo quer baixarias ou propostas para o Brasil.

Menelau Júnior é professor de português

Coluna da Semana: Os fichas-sujas

Por Menelau Júnior

Fruto da iniciativa popular, com 1,6 milhão de assinaturas, a Lei da Ficha Limpa foi aprovada em 2010 e sancionada pelo Congresso e pelo ex-presidente. Pretendia-se tornar inelegíveis os políticos condenados por corrupção, improbidade, quebra de decoro e abuso de poder econômico. O Supremo Tribunal Federal indicou que a Lei só valeria a partir de 2012. E assim, acabou mais um episódio em que nossos políticos fichas-sujas se safaram das frágeis leis brasileiras. Em todos os órgãos de imprensa, o assunto foi amplamente divulgado e comentado na época. Vamos aproveitar e explicar o porquê de o plural de “ficha-suja” ser “fichas-sujas”.

Quando estamos lidando com substantivos compostos, devemos observar a classe gramatical de cada palavra que forma o vocábulo. No caso de “ficha-suja”, temos a junção de “ficha”, que é um substantivo, e “suja”, um adjetivo. Ao pluralizarmos um composto, normalmente colocamos no plural as palavras que pertencem à classe dos substantivos, dos adjetivos e dos numerais. Exatamente por isso temos o plural “fichas-sujas”.

E já que falamos em fichas-sujas, não podemos nos esquecer do MST, organização que também coleciona crimes em seu vastíssimo currículo de “reivindicações”. Por que a imprensa usa “os sem-terra”?

Para os que defendem a forma invariável, a explicação é a seguinte: o substantivo “sem-terra” seria uma redução de “trabalhador sem terra”. E quando temos um composto ligado por preposição, apenas o primeiro elemento varia. Assim sendo, o plural seria “trabalhadores sem terra”. Como “trabalhadores” acaba ficando elíptico, sobra apenas “sem-terra”: “os sem-terra”.

Na hora de usar o plural de um substantivo composto, é preciso sempre ter cuidado. Num dos primeiros escândalos do governo Lula (foram tantos…), o ex-presidente usou várias vezes a expressão “máquinas caças-níquel”. Essas nunca existiram. “Caça” é verbo e “níquel” é substantivo. A língua portuguesa só admite “caça-níqueis”.

Menelau Júnior é professor de português

Coluna: Educação: as pedras no meio do caminho

Por Menelau Júnior

Divulgado no início do mês, o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) revelou uma realidade que expusemos neste espaço há algumas semanas: o ensino médio no Brasil é desastroso. Em 16 estados brasileiros, a meta do governo não foi alcançada. E, diga-se de passagem, as “metas” são notas na casa dos 4 pontos. Parece piada: o Brasil está lutando para ter uma nota quatro.

Os números oficiais também mostram que, nos anos iniciais do ensino fundamental, as metas estão sendo cumpridas. Mas a partir do 6º ano os problemas se intensificam. No 9º ano, quando os alunos terminam o ensino fundamental, o rendimento deles já está bem abaixo do esperado. Quem vai segurar a “bomba”? Os professores do ensino médio, claro. Recebem alunos incapazes de entender um texto, sem conhecimentos mínimos em matemática e “viciados” em aprovações que envergonhariam qualquer aluno medíocre de países desenvolvidos.

É importante salientar, claro, que o Ideb – assim como o Enem – não deve ser o único meio para considerar melhorias na educação, mas é um indicador. Fatores como tempo que o aluno passa na escola, realidade sociocultural e econômica devem ser levados em conta. A formação dos professores também. Aliás, aí está outro problema: a cada ano cai o número de alunos que ingressam em cursos de licenciatura. O caso mais grave é o do curso de Letras, que teve uma diminuição de 13% no número de matrículas entre 2012 e 2013. Resumindo: professores formam juízes, advogados, engenheiros, médicos, jornalistas. Mas os jovens não querem ser professores.

Caiu também, pela primeira vez nos últimos 10 anos, o número de alunos que concluem um curso superior. A redução ficou em torno de 5%. Mas o ministério da Educação comemorou o aumento no número de matrículas, que foi de 3,8%. Em outras palavras, para o governo o importante é dizer que os alunos estão chegando à universidade. Se vão sair, isso é um problema deles. E não é preciso pensar muito para entender porque está caindo o número de formandos do ensino superior: muitos chegam à universidade sem hábitos de estudos, sem conhecimento necessário e precisando trabalhar.

As médias que permitem aprovação em muitos cursos ficam abaixo de 3,0. Ou seja, há uma “bola de neve” na educação brasileira: os alunos saem muito ruins do ensino fundamental, ficam ainda piores no ensino médio e são jogados nas universidades. Pesquisa feita no Distrito Federal revelou que 50% dos alunos que terminam um curso superior são analfabetos funcionais – não conseguem entender um texto mais complexo, mesmo em sua área de atuação.

No Brasil da propaganda governamental, basta falar em construção de universidades, em programas de financiamento para que boa parte acredite em reais avanços. É o populismo desavergonhado a serviço da mediocridade. Há muitos cursos de universidades públicas sem alunos, sem estrutura adequada, sem professores assíduos. Enquanto isso, de cada R$ 100 arrecadados no Brasil, R$ 57 ficam com o governo federal, R$ 25 com os 26 estados e o Distrito Federal e apenas R$ 18 com os 5.700 municípios.

Aos estados e municípios cabe a educação básica, área em que está o grande problema da educação brasileira – o número de alunos é infinitamente superior aos da educação superior e a verba é infinitamente menor. Sem resolver o problema na base, oferecendo escolas com infraestrutura decente, com professores bem-remunerados e motivados, precisaremos maquiar as universidades para dizer que estamos avançando na educação. E o pior: precisaremos de metas ridículas para justificar esse avanço.

Menelau Júnior é professor de português

Coluna: Educação: as pedras no meio do caminho

Por Menelau Júnior

Divulgado no início do mês, o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) revelou uma realidade que expusemos neste espaço há algumas semanas: o ensino médio no Brasil é desastroso. Em 16 estados brasileiros, a meta do governo não foi alcançada. E, diga-se de passagem, as “metas” são notas na casa dos 4 pontos. Parece piada: o Brasil está lutando para ter uma nota quatro.

Os números oficiais também mostram que, nos anos iniciais do ensino fundamental, as metas estão sendo cumpridas. Mas a partir do 6º ano os problemas se intensificam. No 9º ano, quando os alunos terminam o ensino fundamental, o rendimento deles já está bem abaixo do esperado. Quem vai segurar a “bomba”? Os professores do ensino médio, claro. Recebem alunos incapazes de entender um texto, sem conhecimentos mínimos em matemática e “viciados” em aprovações que envergonhariam qualquer aluno medíocre de países desenvolvidos.

É importante salientar, claro, que o Ideb – assim como o Enem – não deve ser o único meio para considerar melhorias na educação, mas é um indicador. Fatores como tempo que o aluno passa na escola, realidade sociocultural e econômica devem ser levados em conta. A formação dos professores também. Aliás, aí está outro problema: a cada ano cai o número de alunos que ingressam em cursos de licenciatura. O caso mais grave é o do curso de Letras, que teve uma diminuição de 13% no número de matrículas entre 2012 e 2013. Resumindo: professores formam juízes, advogados, engenheiros, médicos, jornalistas. Mas os jovens não querem ser professores.

Caiu também, pela primeira vez nos últimos 10 anos, o número de alunos que concluem um curso superior. A redução ficou em torno de 5%. Mas o ministério da Educação comemorou o aumento no número de matrículas, que foi de 3,8%. Em outras palavras, para o governo o importante é dizer que os alunos estão chegando à universidade. Se vão sair, isso é um problema deles.

E não é preciso pensar muito para entender porque está caindo o número de formandos do ensino superior: muitos chegam à universidade sem hábitos de estudos, sem conhecimento necessário e precisando trabalhar. As médias que permitem aprovação em muitos cursos ficam abaixo de 3,0. Ou seja, há uma “bola de neve” na educação brasileira: os alunos saem muito ruins do ensino fundamental, ficam ainda piores no ensino médio e são jogados nas universidades. Pesquisa feita no Distrito Federal revelou que 50% dos alunos que terminam um curso superior são analfabetos funcionais – não conseguem entender um texto mais complexo, mesmo em sua área de atuação.

No Brasil da propaganda governamental, basta falar em construção de universidades, em programas de financiamento para que boa parte acredite em reais avanços. É o populismo desavergonhado a serviço da mediocridade. Há muitos cursos de universidades públicas sem alunos, sem estrutura adequada, sem professores assíduos. Enquanto isso, de cada R$ 100 arrecadados no Brasil, R$ 57 ficam com o governo federal, R$ 25 com os 26 estados e o Distrito Federal e apenas R$ 18 com os 5.700 municípios.

Aos estados e municípios cabe a educação básica, área em que está o grande problema da educação brasileira – o número de alunos é infinitamente superior aos da educação superior e a verba é infinitamente menor. Sem resolver o problema na base, oferecendo escolas com infraestrutura decente, com professores bem-remunerados e motivados, precisaremos maquiar as universidades para dizer que estamos avançando na educação. E o pior: precisaremos de metas ridículas para justificar esse avanço.

Menelau Júnior é professor de português

Opinião: Cadê o sotaque?

Por Menelau Júnior

Nos últimos dez dias, os programas jornalísticos deram uma atenção especial ao Rio Grande do Sul por causa de um episódio envolvendo a torcida do Grêmio. Não deve ter sido difícil perceber a pronúncia diferente dos jornalistas de lá quando usam palavras com a letra “r” no fim de alguma sílaba. “Porta”, “corpos” e “marcas” são apenas algumas.

O “r” pronunciado à moda sulista recebe o nome de “retroflexo”. É bastante comum também no interior de São Paulo. Quando um morador dessas áreas é entrevistado, logo se percebe a pronúncia “enrolada” da letra “r”. Mas por que normalmente os jornalistas tendem a não apresentar essa marca regional de forma tão contundente?

A resposta é simples: porque a maioria das redes de televisão tenta, com a ajuda de fonoaudiólogos, extirpar qualquer marca de regionalismo dos repórteres. Para muitas dessas redes, o “r” retroflexo é visto como algo “caipira”, “matuto”. Mudar a pronúncia é, pois, uma exigência para estar no ar em rede nacional.

O resultado, muitas vezes, soa esquisito. É estranho para um gaúcho ouvir um conterrâneo que fala sem as marcas linguísticas da região. No Rio, as TVs retiram o “s” chiado; no Nordeste, evita-se a fala meio “cantada”.

A intenção, óbvio, é uniformizar a língua. Vã tentativa. O idioma muda invariavelmente. Querer que  repórteres falem da mesma forma de norte a sul é como querer que todos os brasileiros pensem do mesmo jeito e tenham os mesmos hábitos. Esses falares regionais, que são marcas identitárias do povo, só aparecem na TV de forma estereotipada, principalmente no caso dos nordestinos.

A língua muda conforme suas próprias necessidades. As variações, muito mais que marcas de desorganização, constituem a base de todas as línguas, conferindo-lhes riqueza e soberania. As tentativas de uniformizar os falares são, portanto, artificialidades que a nada levam e que em muito prejudicam a identidade do povo. Mais importante que retirar à força as marcas regionais dos jornalistas seria dar-lhes autonomia para dar às reportagens a “cara” de cada região. E isso está intimamente ligado à forma como falamos.

Menelau Júnior é professor de língua portuguesa.

Secret: Liberdade de expressão ou covardia anônima? .

Por Menelau Júnior

O aplicativo Secret, criado na Califórnia em janeiro deste ano, chegou ao Brasil em junho e, agora, foi proibido pela justiça. Por meio dele, seus usuários podiam postar, sob um suposto anonimato, o que bem entendessem. Nem é preciso dizer que o Secret se tornou, no Brasil, um instrumento a serviço da covardia e do mau-caratismo. Pessoas passaram a ser difamadas, insultadas e caluniadas por gente que simplesmente se sente no direito de escrever o que pensa – se é que essa gente pensa…

A proibição judicial já fez com que o Secret fosse retirado de algumas lojas virtuais. Em delegacias especializadas em crimes virtuais, ele foi o centro das atenções este mês. E para aqueles que escreveram o que veio à cabeça, uma péssima notícia: hackers americanos “quebraram” o sigilo do Secret e prometem espalhar pela internet a forma de saber quem escreveu o quê. Os adolescentes brasileiros que aderiram à moda e praticaram bullying cibernético da pior espécie já devem se preocupar.

Não é a primeira vez nem será a última que as novas tecnologias são usadas a serviço de intrigas e crimes de toda natureza.

Mas condenar o aplicativo é uma forma tão burra de pensar quanto achar que a violência no trânsito é reflexo da potência dos carros. O problema é a índole do indivíduo, sua educação, sua percepção de membro da sociedade. Esconder-se atrás do (suposto) anonimato para caluniar, difamar, injuriar, propagar preconceitos e praticar outros crimes é prova de covardia, de mau-caratismo, de perversão. Pessoas inteligentes discutem ideias; aos maldosos resta a satisfação de falar da vida alheia.

Como sociedade global, ainda estamos aprendendo a lidar com a internet. Do ponto de vista ético, precisamos evoluir muito. Mas, claro, isso só se consegue com educação. E, quando falo em educação, não estou me referindo apenas a escolas de péssima qualidade, que servem muito mais como depósito de crianças e adolescentes do que centros de formação intelectual.

O papel da família é imprescindível na busca por cidadãos mais íntegros. O Secret, não é segredo para ninguém, já está com os dias contados. Mas deve deixar uma lição a todos nós: é o que fazemos e dizemos quando ninguém nos vê que revela, de fato, quem nós somos. Entre frases engraçadas e futilidades do dia a dia, o Secret também trouxe a vergonha e a humilhação públicas. Que os covardes paguem pelo que escreveram. Numa democracia civilizada, não se pode – nem se deve – confundir liberdade de expressão com covardia anônima.

Menelau Júnior é professor de língua portuguesa.

Opinião: O mistério da última viagem

Por Menelau Júnior

Há duas semanas, Eduardo Campos dava uma pausa em sua agenda política para passar o Dia dos Pais com a família. Não sabia ele que a fatalidade do destino arrancaria seu sopro de vida alguns dias depois.

O Brasil se emocionou com a história do político que dava seu primeiro grande voo na política nacional. Chamado de “tolo”, “mimado” e de “traidor” pelo PT, que hoje o chama de “exemplo”, Eduardo ousou romper com alianças antigas para levar uma mensagem de esperança aos brasileiros. Em uma de suas últimas entrevistas, disse na bancada do Jornal Nacional: “Não vamos desistir do Brasil”.

Mas o mistério da última viagem estava reservado ao ex-governador. A mesma viagem que todos faremos um dia. Sendo impossível compreendê-la, resta-nos aceitá-la. Inesperada, repentina, inexplicável, a última viagem deixa aos que ficam a mensagem de que nada podemos contra ela, de que teremos de fazê-la mais cedo ou mais tarde.

Talvez mais assustador que nossa última viagem seja ver nossos entes queridos fazê-la – ainda mais quando sequer existe aviso de que ela estaria se aproximando. Da quarta fatídica até hoje, quantos filhos e pais assassinados, quantos mortos em nosso trânsito selvagem… Quantas famílias não estão chorando hoje também?

A crença em Deus ajuda numa hora dessas? Tenho certeza de que sim. A esperança de que a vida não acaba aqui – mesmo quando retirada de forma brutal – nos enche de esperanças num outro mundo. Dá sentido à vida, mesmo na hora da morte. Ajuda a aceitar, mesmo quando não queremos compreender. Ou ajuda a compreender, se não queremos aceitar.

Mortes como a de Eduardo Campos, que provocam comoção nacional, nos lembram, insistentemente, que sonhar com voos mais altos é intrínseco à condição humana. Sofrer com as perdas também. Nessas horas de dor, a crença numa força maior nos ajuda a ver sentido nos passos que ainda temos de dar, nos voos que ainda temos de fazer. Até que um dia, quando tivermos de “viajar”, possamos nos orgulhar do que aqui fizemos, do que aqui deixamos. Na esperança de que, noutro lugar, seja possível enxergar a luz do futuro, a mesma luz que se apaga quando nosso corpo padece.

O mistério da morte existe para nos lembrar de que a vida só faz sentido quando se faz o bem, sem olhar a quem. O mistério da morte nos cala, nos faz chorar e sofrer. Mas também serve para que reconheçamos como é bom viver – e como devemos cuidar uns dos outros.

Menelau Júnior é professor de língua portuguesa.