Por DANIEL FINIZOLA
Há alguns dias, fui convidado para uma roda de diálogo sobre capoeira. Fiquei impressionado com o nível de organização e o compromisso que os grupos têm, todos conscientes da necessidade de debater o tema com a sociedade. Confesso que fiquei emocionado ao ver o brilho nos olhos de cada pessoa que falava. Senti que naquele momento não estávamos debatendo apenas a capoeira, mas a identidade cultural do meu país.
Hoje, Caruaru possui cerca de 16 grupos de capoeira. Entre eles encontramos: Falcão Negro, Balé Capoeira, Voo da Águia, todos grupos genuinamente caruaruenses. Cada grupo adota um estilo dentre os que se desenvolveram ao longo do tempo no país. De modo geral, a capoeira é um esporte, um misto de luta e dança com golpes acrobáticos cheios de ginga embalados por uma sonoridade de origem africana. A capoeira foi muito utilizada no Brasil pelos negros no período da colônia e no império como instrumento de luta. Com a proclamação da República, a capoeira passou a ser proibida pelo Código Penal brasileiro em seu capítulo XIII:
“Capítulo XIII – Dos vadios e capoeiras
Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal”.
A prática da capoeira podia render 300 açoites ou até mesmo uma prisão com trabalhos forçados na ilha de Fernando de Noronha. A partir dos anos 30 do século passado, o mestre Bimba encabeça a luta pela descriminalização da capoeira no contexto nacionalista da era Vargas. Pouco tempo depois, a capoeiragem foi liberada e reconhecida como esporte nacional.
Em Caruaru, o Narcab (Núcleo de Apoio e Resistência à Cultura Afro-Brasileira) vem fazendo o trabalho de conscientização com oficinas e rodas de diálogo. A luta é para que o Estatuto da Igualdade Racial seja de fato respeitado. Estatuto que aponta na seção IV a necessidade de fomentar a capoeira – seja como luta, dança esporte ou música.
Recentemente, vimos atos de preconceito contra jogadores de futebol em cadeia nacional. Pior é ouvir uma galera batendo no peito e afirmando que “esse lance de racismo não existe mais no Brasil”. Agora, pergunte se os jogadores que sofreram racismo comungam dessa mesma ideia? Em 2003, foi criada uma lei que propõe novas diretrizes para o estudo da história, da cultura afro-brasileira e africana. Lembre que no seu livro didático do ensino fundamental e médio dificilmente você via um capítulo que tratasse da história da África. Um absurdo, não? Já que a etnia negra é tão importante na nossa constituição cultural. Isso é fruto de uma historiografia eurocêntrica que determinou os rumos da visão histórica durante anos, violentando a identidade dos indígenas e negros. Cabe às escolas abrir o diálogo sobre temas como racismo, que lamentavelmente ainda assola a sociedade.
Hoje, os jogos escolares estão cheios de modalidades esportivas oriundas de vários lugares do mundo. Acho ótimo! Nada contra. Mas, por que não colocamos a capoeira, esporte genuinamente nacional, como modalidade? É um grande exercício físico, atende a parâmetros curriculares educacionais, fortalece e preserva nossa identidade cultural.
Eu defendo essa ideia. E você?
@DanielFinizola, formado em ciências sociais pela Fafica, é músico, compositor e educador. Escreve todas as quartas-feiras para o blog. Site: www.danielfinizola.com.br